Drogas, armas e muita violência: documentos
mostram pela primeira vez o Raio-X de uma das principais facções
criminosas do Estado
Rafael Vieira/DP Foto
O Diario de Pernambuco teve acesso, com exclusividade, a mais de 5 mil páginas de investigações que miram a alta cúpula do Comando Litoral, o antigo Trem Bala; confira
Com base na praia de Porto de Galinhas, em Ipojuca, um dos principais cartões-postais de Pernambuco, a facção Comando Litoral, antes chamada de Trem Bala, é famosa pela violência usada para aniquilar seus inimigos e controlar o tráfico de drogas e de armas de fogo.
A
atuação no Grande Recife começou em meados de 2017. Em franca expansão,
o grupo criminoso já fatura milhões, tem cerca de 20 lideranças
mapeadas e até possui braços em estados vizinhos, como Sergipe, Alagoas e
Rio Grande do Norte, segundo relatórios do Ministério Público (MPPE) e
da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado em Pernambuco (Ficco).
O Diario de Pernambuco teve
acesso, com exclusividade, a mais de 5 mil páginas de investigações que
miram a alta cúpula do bando – agora, intitulado Comando Litoral Sul
(CLS), na área de origem, e de Comando Litoral Norte (CLN), em novas
regiões. Os documentos oficiais trazem à tona, pela primeira vez, o
organograma da facção e qual é o papel exercido pelos integrantes mais
importantes.
De
acordo com as investigações, o topo da pirâmide é ocupado por Osnir
Cândido Urbano, o Osnir Cabeça, de 47 anos, acusado de construir uma
rede de fornecedores em outros estados e de ser o verdadeiro “dono” de
toda a cocaína, maconha, skunk e crack vendidos ilegalmente.
Hoje,
o grupo mantém relações estreitas com o Comando Vermelho (CV), facção
de dimensão nacional, que nasceu no Rio de Janeiro. Com integrantes
fortemente armados e até sistemas de câmeras para vigiar a polícia, a
estrutura do Comando do Litoral envolve desde criminosos que atuam como
“olheiros” a um núcleo especializado em matar desafetos e concorrentes.
Alta cúpula
Osnir
Cabeça foi preso na sua mansão, dentro de um condomínio de luxo na
cidade de Parnamirim, no Rio Grande do Norte, em maio de 2023. Na
ocasião, os policiais ainda apreenderam documentos falsos, dezenas de
jóias e anotações do tráfico de drogas.
Só
os valores que estavam descritos nos papéis encontrados somavam mais de
R$ 6 milhões – um indicativo da alta lucratividade dos negócios
ilícitos, segundo investigadores. Em depoimento à Justiça, traficantes
responsáveis por bocas de fumo também admitiram que faturaram R$ 10 mil
por semana, cada um, em meados de 2018, ainda no início das atividades
da facção.
Segundo
as investigações, Osnir é chamado de “chefe” e considerado superior
hierárquico até de Evanilson José da Silva, o Bambam, de 37 anos –
fundador do antigo Trem Bala e tido como o número 2 do grupo atualmente.
Com três mandados de prisão em aberto, Bambam chegou a ocupar o posto
de bandido mais procurado do Estado e foi pego na praia de Ponta Negra,
em Natal, em março de 2022.
O poder de Bambam na
facção é amplo. De acordo com o MPPE, ele age como “dono” do território
dominado pelo Comando Litoral, controla os pontos de tráfico e escolhe
quem vai gerenciar cada boca. Também é o responsável por aprovar a
entrada de novos integrantes e por dar ordens de distribuição das
drogas, tirando ou colocando as cargas em cada local.
Osnir
e Bambam estão presos no sistema penitenciário federal, de segurança
máxima, onde são supervigiados e perdem o direito a visitas íntimas.
Apesar do isolamento dos chefões, os relatórios oficiais apontam que
outras lideranças conseguem assumir os negócios e continuam emitindo
ordens de dentro de presídios estaduais.
Cadeia de comando
Os
chamados “gerentes” do CLS aparecem na sequência da cadeia de comando.
Para as autoridades, os principais são Pedro Paulo de Jesus Teixeira, o
Carioca, de 38 anos, envolvido em ordens de execuções e na expansão do
números de bocas de fumo, e Emerson José da Silva, o Messinho, de 32
anos, que é irmão mais novo de Bambam e teria chegado a assumir as
decisões da facção neste ano.
Carioca
está detido em Sergipe desde junho de 2023. Já Messinho, capturado
pouco depois, em outubro, morava em Maragogi, no Litoral de Alagoas, e
foi levado para uma cadeia no interior de Pernambuco. Seriam deles, por
exemplo, ordens para comprar e vender fuzis, pistolas e metralhadoras.
O
outro “gerente” é Regival Alves da Silva Sorriso, o Val, de 46 anos,
apontado como tesoureiro do CLS e diretamente ligado a Osnir. Com papel
de arrecadar o dinheiro do tráfico e fracioná-los em depósitos menores
para diversas contas, ele teria acumulado a função de contatar
fornecedores e abastecer os traficantes do grupo após a prisão do
chefão. A defesa nega e diz que o acusado tem padrão de vida simples,
incompatível com os crimes pelos quais foi denunciado.
Osnir,
Messinho, Carioca e Val são réus por lavagem de dinheiro e organização
criminosa. Eles contestam as provas apresentadas e alegam inocência nos
autos. Em audiência de instrução, realizada pelo Tribunal de Justiça de
Pernambuco (TJPE), na quinta-feira (5/9), os acusados optaram por
permanecer em silêncio.
Violência extrema
Já
Bambam e outros 14 membros do CLS foram condenados em outro processo
envolvendo a facção, julgado em março. Entre os sentenciados, está Tiago
Mateus de Lima, o Tobias, de 24 anos, integrante do braço armado do
grupo e suspeito de praticar mais de 20 assassinatos no Litoral Sul do
Estado.
O
rastro de sangue é uma das marcas do CLS. Na cidade de origem, a facção
inicialmente disputou o território com o Primeiro Comando de Ipojuca
(PCI), outro grupo local, em uma guerra que fez o número de homicídios
explodir na cidade. Há relatos de vítimas torturadas e até de corpos
enterrados de cabeça para baixo no mangue.
Nem
mesmo as crianças ficam a salvo da violência extrema. Em janeiro de
2017, seis integrantes do CLS chegaram a matar a tiros um bebê de apenas
1 ano e 2 meses e o padrasto dele, em meio à disputa pelo tráfico de
drogas em Ipojuca, hoje dominada pela facção.
Investigações
apontam, ainda, que foram líderes do bando que orquestraram a série de
protestos na comunidade de Salinas, após a morte da menina Heloysa
Gabrielle, de 6 anos, em uma ação policial realizada em março de 2022.
Para autoridades, o episódio também marca uma demonstração de força do
grupo, que se espalhou por municípios das adjacências, como Escada e
Sirinhaém.
Expansão
O
CLS tem avançado desde então. No Cabo de Santo Agostinho, onde a facção
também tem presença consolidada e controla o tráfico na praia de Gaibu,
a expansão é relacionada a 30 homicídios, registrados em apenas um mês,
em janeiro de 2022, segundo autoridades.
“A
expansão de referida organização criminosa (...), em razão da
necessidade de aniquilar seus concorrentes no tráfico de drogas, vem
causando uma verdadeira guerra pelo comando do comércio de substâncias
entorpecentes, com inúmeros homicídios no litoral sul, litoral norte e
também na região metropolitana”, disse o MPPE, em manifestação à
Justiça, no mês passado.
Jaboatão
dos Guararapes e, mais recentemente, Paulista, ambos no Grande Recife,
são outras áreas que registram presença da facção. Já em Itamaracá, no
Litoral Norte, a guerra do tráfico ficou exposta após a morte do bebê
Gael Lourenço França do Carmo, de apenas 9 meses, em fevereiro de 2024.
Ele foi baleado, dentro do berço, por um grupo de encapuzados. Dias
depois, outra criança Jackson Kovalick Dantas Silva, de 10 anos, foi
assassinada a tiros.
Em
nota, a Secretaria de Defesa Social (SDS) afirma que “segue
comprometida no combate à atuação de organizações criminosas em
Pernambuco”. Também diz que “monitora a presença e coíbe a instalação e
expansão dessas organizações” por meio do trabalho integrado de suas
operativas, incluindo o setor de inteligência.
“A
SDS esclarece, ainda, que preserva o sigilo em prol da efetividade das
ações a serem realizadas pelas polícias. Dessa forma, informações sobre
esses grupos criminosos devem apenas ser usadas na repressão à sua
atuação”, diz o texto.
Isolamento de lideranças é uma das medidas
O
Sistema Penitenciário de Pernambuco tem, atualmente, pouco mais de 29
mil encarcerados. O déficit é de 14 mil vagas, segundo a Secretaria
Estadual de Administração Penitenciária (Seap).
As
unidades prisionais pernambucanas vivenciam um problema que se
espalhou pelo resto do País: as facções criminosas que se "enraízam" no
sistema. Estima-se que detentos de até 16 grupos distintos estejam atrás
das grades, o que levou o governo a fazer um Raio-X da situação e
adotar providências.
Uma
das mais importantes é o isolamento de lideranças de facções, como
Comando Vermelho, PCC e o Comando Litoral, o antigo Trem Bala. "Temos
uma peculiaridade em Pernambuco. Aqui, muitos grupos mudam de nome para
não ficar igual ao de outros estados", observa o secretário estadual de
Administração Penitenciária, Paulo Peres.
Isolamento
Um
levantamento feito pelo Governo aponta que transferências de presos
entre unidades estaduais e até para outros Estados, onde ficam presídios
federais. Segundo a Seap, entre setembro e outubro de 2023, 100
detentos foram isolados, de uma vez só, na unidade de Itaquitinga II, na
Zona da Mata Norte pernambucana.
"Depois,
tivemos isolamento de centenas de lideranças em outras unidades.
Teremos uma terceira etapa de transferências prevista", informou Peres. A
Seap aponta que muitas informações não podem ser repassadas para não
comprometer a segurança do sistema.
No
entanto, diz que, em um ano e meio da atual gestão estadual, foi
possível investir nas ações com a contratação de 600 policiais penais. O
secretário ressalta o trabalho que vem sendo feito pela Força Integrada
contra o crime Organizado (Ficco).
Há
três anos, ela conta a parceria entre as polícias pernambucanas, a
Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF). "Vem sendo um
grande êxito. O trabalho integrado dá bons frutos", observa Peres.
Outra
medida para amenizar a situação no sistema penitenciário do estado é a
remoção de detentos do Complexo do Curado, na Zona Oeste do Recife. Após
uma intervenção de organismos internacionais, em 2022, a unidade, que
tinha 6 mil homens, agora conta com cerca de mil.
Expectativa
Até
o fim de 2024, o sistema deve receber quase 3 mil novas vagas. O
Governo Raquel Lyra (PSDB) espera encerrar o mandado, em 2026, com mais 7
mil vagas no sistema. Teremos novas vagas em unidades Araçoiaba (Mata
Norte) e no novo presídio do Complexo do Curado", acrescentou o
secretário.
Por: Felipe Resk
Por: Ricardo Novelino
Por: Ricardo Novelino
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