Com saída de Biden, fantasma de 1968 paira sobre democratas
O processo de sua substituição, a menos de 1 mês da convenção nacional do Partido Democrata, não está definido, e há grandes discrepâncias entre os principais líderes da oposição a Trump sobre como proceder daqui em diante.
Biden endossou o nome de sua vice-presidente, Kamala Harris, para ocupar seu lugar. É o caminho mais natural. Foi o que fez Lyndon Johnson em 1968, quando abriu mão de se reeleger e apoiou seu vice, Hubert Humphrey.
Mas a situação agora é muito diversa daquela. Há 56 anos, apenas uma eleição primária do partido havia sido realizada em março, quando Johnson anunciou sua decisão. Agora, as primárias já ocorreram, e Biden venceu todas.
Harris está longe de ter a unanimidade de seus companheiros de legenda para suceder Biden. As pesquisas de intenção de voto não a mostram em situação muito melhor que a do atual presidente quando confrontada a Donald Trump.
Seu desempenho no cargo de vice foi discreto. Ela não chegou a galvanizar os setores sociais com seu perfil demográfico (mulher, jovem e negra) ou mesmo as alas ideológicas (mais à esquerda) com quem tem identidade.
Há resistência a seu nome entre democratas conservadores. Alguns sugerem a realização de debates ou até “mini primárias” para testar outras alternativas, como o governador da Califórnia (mesmo Estado de Harris), Gavin Newsom, a governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, o governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, ou o governador de Illinois, J.B. Pritzker.
Mas nenhum deles vai muito melhor do que Harris ou Biden nas pesquisas contra Trump.
De fato, a única pessoa que supera Trump nessas enquetes é Michelle Obama, a ex-primeira-dama, que não é política de carreira, já reiterou inúmeras vezes que não pretende se tornar uma, e rejeita enfaticamente a possibilidade.
Os democratas têm basicamente 3 alternativas de rota para substituir Biden: tentar obter a unanimidade em torno de Harris, realizar debates entre os que vierem a manifestar interesse pelo cargo ou deixar a decisão para ser tomada de 19 a 22 de agosto na convenção, em Chicago.
Até a primeira metade do século 20, os candidatos a presidente eram escolhidos nas convenções partidárias, por meio de negociações nada transparentes entre líderes regionais, que se reuniam em salas fechadas e sem imprensa.
É difícil que na 3ª década do século 21 este sistema seja aceitável. É mais provável que o consenso a que se chegou sobre a inviabilidade de Biden volte a ser buscado para fechar fileiras em torno de Harris, mesmo com as restrições de muitos a ela.
Se os governadores aventados como opções a Harris anunciarem que a apoiam, isso poderá ocorrer de modo relativamente rápido. A direção do partido vinha trabalhando para antecipar a escolha de Biden por meio de uma votação virtual na semana de 5 de agosto, antes da convenção. Essa pode ser uma saída para uma resolução mais imediata.
Quanto mais tempo os democratas gastarem em discussões internas, menores as chances de vitória na eleição contra Trump, em novembro. A convenção será em Chicago, onde se realizou a de 1968, de triste memória para o partido.
Naquele ano, depois da desistência de Johnson, em março, e o assassinato em junho de Robert Kennedy, que vinha de importantes vitórias em primárias que lhe davam a condição de favorito, o partido chegou a Chicago dividido, escolheu o vice Humphrey, mas com protestos que terminaram em sangrentos confrontos entre manifestantes e policiais nas ruas da cidade.
No final, Humphrey foi derrotado por Richard Nixon por pequena margem nos votos populares, mas de lavada no Colégio Eleitoral. O fantasma de 1968 paira sobre os líderes do Partido Democrata. Eles devem tentar afastá-lo com decisão.
Por Carlos Eduardo Lins*
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