Para onde uma das menores capitais do Brasil pode se expandir?
O Recife já tem o território completamente urbanizado e as áreas verdes restantes são reservas ambientais protegidas pela prefeitura, governo estadual e federal
A ocupação no Recife teve início no século XVII. Em 1630, a cidade
era formada apenas por um porto natural de onde saía o açúcar para a
Europa. No Bairro do Recife viviam pescadores que também atuavam nas
atividades de carga e descarga das embarcações.
Enquanto
isso, os bairros de Santo Antônio e São José eram apenas uma grande
área inundada e cheia de vegetação, com poucas áreas de solo firme. Com a
ocupação holandesa, o Recife cresceu rapidamente por conta da área
portuária, da movimentação feita pelas tropas invasoras e graças à
chegada de moradores de Olinda.
Quando a
colonização holandesa terminou, em 1654, o Recife tinha cerca de 8 mil
moradores, espalhados por 290 sobrados em uma área de 24,7 hectares. Na
região do porto, as residências burguesas se misturavam com o comércio e
as atividades portuárias.
Com a expulsão dos
holandeses, estruturas religiosas ganharam espaço na área central do
Recife e as casas tiveram que se adaptar com a presença das praças das
igrejas que competiam pelo domínio dos bairros de Santo Antônio e São
José. Já o bairro da Boa Vista se consolidou como o primeiro solo
urbanizado do continente americano.
O
Recife passa por um processo de modernização na década de 1840 por
conta do crescimento da população e novos equipamentos públicos como
rede de esgoto, abastecimento, transporte público e construção de vias
estratégicas começam a ser colocados para fora do papel.
O
projeto desenvolvido pelo engenheiro Saturnino de Brito para
implantação de uma rede de esgoto também foi um dos responsáveis pelo
aumento do número de moradores da capital. As obras foram executadas
entre 1910 e 1920 nos bairros do Recife, Santo Antônio, São José, Boa
Vista, Santo Amaro, Espinheiro, Torre, Graças, Madalena, Cabanga,
Capunga, Jaqueira, Campo Grande, Afogados, Caminho Novo, Derby, Lucas e
Encruzilhada.
Durante a segunda metade do
Século XIX, o transporte público do Recife era formado pelo primeiro
trem urbano, por veículos de tração animal e um bonde elétrico, que
surgiu em 1914. A aprovação de loteamentos na capital também cresceu
junto com as outras áreas da cidade e, entre 1923 e 1986, 1.500
loteamentos haviam sido aprovados. Nas décadas de 1930 e 1940, houve uma
maior aprovação nos loteamentos do bairro de Boa Viagem, na Zona Sul.
Nos
anos 1950, o Recife definiu seu formato urbano atual, impulsionado pelo
crescimento populacional decorrente da migração de pessoas do interior
do Nordeste e pela eliminação dos mocambos, o que obrigou a população
mais pobre a se deslocar para os morros.
Entre
as décadas de 1940 e 1970, a população do Recife saltou de 348.424 para
797.234 habitantes, representando um crescimento de 128,8%.
Para onde o Recife vai?
O Recife esbarra em outros municípios da RMR durante expansão urbana (Foto: Priscilla Melo/DP) |
O território do Recife é composto por morros (67,43%), planícies (23,26%), áreas aquáticas (9,31%) e por Zonas Especiais de Preservação Ambiental – ZEPA (5,58%).
O processo de favelização em áreas de morro na capital pernambucana
mostra para onde a parte mais pobre da cidade precisa ir para conseguir
ter uma moradia.
Recife é a quinta cidade do
Brasil com o maior número de pessoas em áreas de risco. Ao todo são mais
de 206 mil pessoas em condições vulneráveis, principalmente em encostas
de barreiras propensas a deslizamentos.
Áreas
mais distantes do centro do Recife ainda não foram totalmente exploradas
por construtoras e por pessoas mais vulneráveis. Um exemplo é o bairro de Guabiraba,
na Zona Norte da cidade, o maior bairro da capital, com 46 Km², o que o
torna maior que o município de Olinda, que tem 40 Km².
A
principal característica desta localidade é a preservação da mata
atlântica, que dá a sensação de que o bairro pertence a uma cidade do
interior do estado. Há alguns anos, o bairro era composto apenas por
chácaras e granjas, mas a pavimentação da Estrada da Mumbeca, em 2012,
impulsionou a venda de terrenos perto da principal via de acesso.
No
entanto, o bairro abriga o Beberibe, maior Unidade de Conservação da
Natureza (UCN) do Recife, com uma área de 4.823,38 hectares. O local é
monitorado pela prefeitura, que já necessitou retirar invasores da área
protegida. Outra zona com poucas construções e também protegida é a Área
de Proteção Ambiental (APA) Mata da Várzea, com 713,17 hectares.
“No
bairro da Guabiraba é possível, sim, construir em alguns lugares, mas
para isso é preciso que exista um lote conformado, que naquela área de
mata não tem. Mas, é possível ter este lote na margem da BR, em algumas
vias mais importantes. A gente também já entendeu que grandes áreas
preservadas e sem nenhum tipo de ocupação são áreas que terminam sendo
favelizadas ou desmatadas sem que ninguém consiga ver”, explica a presidente do Instituto Pelópidas Silveira, a arquiteta e urbanista Mariana Asfora.
De
acordo com Mariana Asfora, o Recife não possui mais áreas de expansão e
esbarra em outros municípios. Segundo a arquiteta, o foco é ocupar
prédios antigos e abandonados e evitar que as população vá para áreas
mais distantes do centro.
“A gente tem um
território restrito, alagado, originário dos sucessivos aterros.
Entretanto, a gente não tem tanta densidade populacional. Usamos pouco a
nossa infraestrutura e essa é uma discussão mundial, não somente o
adensamento construtivo, mas o habitacional também. Vamos crescer
adensando, ocupando vazios. Estas não são mais áreas de expansão. A
gente tem um grande estoque edificado e sem uso no Recife. Fizemos um
monitoramento dos terrenos dos edifícios e vamos conversar com os
proprietários para que eles deem uso. Esta é a estratégia de adensamento
populacional, sem necessariamente construir mais na cidade”, explica a presidente do instituto.
A
arquiteta ainda destaca que o Recife se expande para as cidades
vizinhas, deixando as fronteiras cada vez menos perceptíveis e
aumentando a área metropolitana do estado.
O
engenheiro, arquiteto e urbanista Arthur Andrade também destaca que
“antes mesmo de pensar na expansão da cidade, a gente precisa resolver
os diversos problemas inerentes, como trânsito, mobilidade urbana,
saneamento, alagamentos, entre outras coisas”.
“Pensando
na expansão, ela não deve se dar somente com a ampliação do tecido
urbano.É importante que tenhamos investimentos nos espaços abandonados e
que precisam de investimento para que a gente transforme esses espaços e
atenda as demandas da cidade”, completa Arthur Andrade.
E os morros?
Nestes locais mais altos, os riscos aumentam e tragédias ambientais podem resultar na morte de centenas de pessoas (Foto: Priscilla Melo/DP) |
Os
morros do Recife, como em outras partes do Brasil, são habitados por
pessoas mais pobres e vulneráveis. Estes locais não costumam possuir
edificações complexas por ficarem mais distantes da área central, assim
como não estão preparados urbanisticamente para isso.
Nestes
locais mais altos, os riscos aumentam e tragédias ambientais podem
resultar na morte de centenas de pessoas por conta da falta de
preparação do solo. Mesmo assim, segundo o engenheiro, arquiteto e
urbanista Arthur Andrade é possível construir com segurança nestas
regiões.
“Existem cidades como o Rio de
Janeiro que existem construções em áreas de morro e não possuem
problemas de deslizamento de terra. É possível ocupar de forma segura a
partir de um planejamento, de um projeto de residências, de edifícios.
Nos que já estão ocupados, é importante ter atenção, fiscalizando,
orientando a população, construindo muros de contenção e investindo em
drenagem para que seja viável e possível construir nestas áreas de
morro”, explica.
Arthur ainda destaca que
no bairro de Aldeia, em Camaragibe, os morros não sofrem com
deslizamentos, uma vez que houve planejamento para construção das
moradias.
Para o engenheiro ambiental Gabriel Mendes, é importante que haja planejamento antes de expandir as construções nos morros.
“Um
planejamento detalhado a partir do Plano Diretor pode definir as áreas
verdes que serão protegidas, traçar incentivos à densidade urbana,
fiscalizar para controlar o aglomerado de moradias na cidade e preservar
as zonas verdes. A gente pode ter uma fiscalização mais eficiente,
promover incentivo à preservação com programas que envolvem pagamento de
serviços e que valorizem a questão da floresta”, pontua.
De
acordo com a gestão municipal, nos últimos três anos, foram concluídas
96 obras de encostas nos morros e está executando mais 56 contenções na
cidade. Entre os trabalhos, estão serviços de micro e macrodrenagem,
limpeza de canais, contenção de encostas, prevenção e monitoramento em
áreas de risco, mutirões e eliminação de pontos críticos de alagamento.
Além disso, no dia 8 de maio, a Prefeitura do Recife assegurou, junto ao Governo Federal, R$ 126,8 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Seleções. Os
recursos serão utilizados em sete obras de proteção de encostas e de
urbanização de comunidades vulneráveis em diversos bairros da cidade.
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