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sábado, 2 de dezembro de 2023

MAIS UMAA DOS IRMÃOS FALCATRUAS

Irmãos Batista alegam até ‘soberania nacional’ para não cumprir contrato

Joesley Batista quando era conduzido preso pela Polícia Federal, em setembro de 2017 - Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil.


Legislação sobre venda de terras vira pretexto para travar transferência da Eldorado Celulose para Paper Excellence

 

Em um intervalo de menos de cinco meses, tribunais de justiça de diferentes estados e até o STF (Superior Tribunal Federal) acumulam curiosos pedidos do grupo J&F, controlado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, para impedir a transferência de controle da Eldorado para a Paper Excellence. Em comum, as ações pedem a suspensão ou até a nulidade da transação de compra da empresa de celulose situada em Três Lagoas (MS) pelo Grupo Paper Excellence, alegando que as restrições da Lei 5.709/1971, previstas para a aquisição de terras rurais por estrangeiros, deveriam ser aplicadas, incluindo prévia autorização violaria a soberania nacional e levaria à nulidade do contrato de compra e venda. Os irmãos Batista se envolveram em escândalo de corrupção e foram presos pela Polícia Federal em setembro de 2017.

O controle da Eldorado é centro de uma disputa bilionária que se arrasta por mais de cinco anos entre a multinacional de papel e celulose Paper Excellence e a J&F. Porém, só nos últimos meses a legislação de venda de terras a estrangeiros começou a ser usada como pretexto de diversos pedidos na justiça para tentar melar o negócio.

Essas  ações que tentam impedir a mudança de controle da Eldorado tiveram início, não por acaso, após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) autorizar a transferência do comando da Eldorado, ao negar o pedido dos Batista para anular a arbitragem, da qual saíram derrotados.

São diversas as ações e manobras. Veja:

Ação Civil Pública no MS e a manobra de Aras

Um dos processos que usa o pretexto das terras foi instaurado pela FETAGRI/MS (Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Estado do Mato Grosso do Sul) na justiça de Três Lagoas (MS) por meio de uma ação civil pública ajuizada em abril. A argumentação é de que a Paper deveria ter “autorização” do Incra e do Congresso Nacional para assumir o controle da fábrica de celulose de Três Lagoas.

“É no mínimo estranho uma entidade que representa os trabalhadores questionar um negócio que pode gerar milhares de empregos e renda para a região”, diz um vereador de Campo Grande. A Paper já anunciou que investirá cerca de R$16 bilhões em uma nova linha de produção da Eldorado. A FETAGRI/MS, enquanto entidade sindical, não demonstrou como a manutenção das ações da Eldorado sob controle da J&F beneficiaria os trabalhadores rurais filiados.

Mais instigante ainda é que, inicialmente, o Ministério Público Federal (MPF) rejeitou assumir o polo ativo da ação, mas depois mudou de ideia. Inicialmente, o procurador Alexandre Aparizi, que acompanhava o processo na ocasião, alegou “ausência de pertinência temática” e consequente ilegitimidade ativa por parte da FETAGRI. Mas pelo visto, sua manifestação não agradou. Algum tempo depois, outros procuradores foram nomeados por Augusto Aras, na véspera do encerramento de seu mandato na Procuradoria-Geral da República, para acompanhar o caso.

Em 25 de setembro, apenas três dias após a nomeação, a dupla de novos procuradores, Michel Francois Drizul e Marcelo José da Silva, se manifestou nos autos demonstrando o interesse do MPF em ingressar no polo ativo da ação e se posicionando pela suspensão da transferência das ações da Eldorado Celulose, em linha com os interesses da J&F.

Essa não foi a primeira vez que Aras tomou uma decisão que tem impactos positivos para os irmãos Batista. Conforme relatado pelo jornal O Globo, Aras fez uma manobra interna, também na reta final de seu mandato na PGR, para blindar o subprocurador Ronaldo Albo, seu aliado e responsável por dar um desconto de 6,8 bilhões na multa da leniência da J&F. Aras tirou da Corregedoria do MPF o inquérito disciplinar aberto contra Albo na tentativa de blindar o procurador ‘camarada’ dos Batista.

Cláudio Cotrim, CEO da Paper Excellence no Brasil, declarou recentemente ao jornal O Globo que a multinacional não pretende ser proprietária de terras no País:

“O grupo Paper Excellence tem se expandido globalmente a partir de aquisições de indústrias de papel e celulose. No Brasil, o projeto da Paper Excellence não é de aquisições de imóveis rurais”.

Na sexta-feira 27 de outubro, em audiência de conciliação na Vara de Três Lagoas, a Paper reafirmou perante o Juiz e o Ministério Público que não tem interesse de ser proprietária de terras rurais no país e muito menos explorá-las. Tanto é que se comprometeu, caso o MP considere necessário para que a transferência da Eldorado seja consumada, alterar o modelo dos contratos que a fábrica de celulose de Três Lagoas mantém com proprietários rurais, passando de arrendamento para parceria. O procurador titular do processo, Marcelo José da Silva, sinalizou na audiência que a proposta poderia ser uma solução para encerrar o caso. Mas seu colega indicado por Aras, Michel Drizul, se manifestou contra, conforme os interesses dos irmãos Batista.

A Paper esclareceu nos autos que apenas 5% (14,4 mil hectares) do total das terras utilizadas na produção da Eldorado são de propriedade da empresa e estão situados no município de Três Lagoas. Ou seja, são imóveis urbanos e não rurais – não estando, portanto, desrespeitando qualquer legislação sobre o assunto. Por isso, entende não ser necessário autorização prévia do Incra ou Congresso para aquisição do complexo industrial situado em Três Lagoas. Os imóveis rurais que fornecem matéria prima para a fábrica de celulose são de propriedade de brasileiros que têm contrato de arrendamento ou de parceria com a Eldorado.

Tentativa frustrada no STF

Antes de surgir a ação no Mato Grosso do Sul, o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já havia tentado impedir a transferência da Eldorado para Paper com uma investida no STF. Solicitou a participação como amicus curiae em duas ações sobre a compra de terras por empresas brasileiras de capital estrangeiro e pediu uma liminar para suspender todas as transações de que envolviam terras rurais no país. Foi a primeira vez que a OAB se manifestou oficialmente sobre o tema com oposição à ACO 2463 e a ADPF 342, que há mais de uma década tramitam no STF.

O ministro André Mendonça chegou a atender o pedido da Ordem, mas a medida foi posteriormente interrompida pelo plenário do Supremo, que derrubou a liminar. O ministro Alexandre de Moraes argumentou que a suspensão traria desestabilização das relações econômicas e negociais, com impactos negativos na economia que sequer chegaram a ser estimados.

A ação da OAB no STF se baseia em um pedido, elaborado pela Comissão de Direitos Humanos da entidade. No rodapé do ofício, aparece o timbre da Procuradoria Constitucional do Conselho Federal da OAB, presidida por Marcus Vinicius Furtado Coêlho – advogado que atua no time de juristas da J&F no litígio contra a Paper pelo controle da Eldorado.

Ação Popular em Chapecó que “ouviu falar”

Outro processo que usa o pretexto da soberania nacional para impedir que a Paper assuma o controle da Eldorado, como pretende os irmãos Batista, é a Ação Popular iniciada pelo ex-prefeito de Chapecó, Luciano Buligon. No processo, ele alega que a negociação da Eldorado deveria ter sido autorizada pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), já que a empresa é proprietária de imóveis rurais, ao mesmo tempo em que a Paper Excellence tem acionista estrangeiro. Para Buligon, as restrições da Lei 5.709/1971, previstas para a aquisição de terras rurais por estrangeiros, deveriam ser aplicadas ao caso e a inexistência de prévia autorização violaria a soberania nacional e levaria à nulidade do contrato de compra e venda.

Em maio, a juíza federal Helena Menegotto Pozenato chegou a indeferir a petição inicial do ex-prefeito, alegando que o contrato de compra e venda de ações de uma empresa privada não é lesivo ao patrimônio público e que, portanto, uma ação popular não seria o instrumento adequado. De acordo com o advogado Francisco de Godoy Bueno, especialista em Direito Agrário, a negociação entre duas empresas privadas também nem de longe é lesiva à soberania nacional. “Soberania não é algo que se possa comercializar, é um fundamento do Estado Democrático de Direito. E, sendo assim, não é razoável esse argumento utilizado na ação popular”, afirma.

A ação ajuizada em Chapecó chama a atenção por alguns fatos curiosos. O primeiro deles é o repentino interesse do ex-prefeito da cidade pela venda da Eldorado, que ocorreu em há seis anos. Embora a transação tenha ficado pública em 2017, Buligon resolveu se manifestar sobre o caso somente em maio deste ano – coincidentemente algumas semanas após seu aliado político Gelson Merísio ter sido eleito membro independente do Conselho de Administração da JBS. Quando era prefeito, Buligon não mediu esforços para eleger Merísio na campanha para o governo de Santa Catarina, em 2018. O apoio pode ser comprovado por gravações de vídeos e participações em comícios, registrados na mídia e nas redes sociais.

O segundo fato que chama a atenção é a ata notarial que deu suporte para o processo instaurado pelo ex-prefeito.  O documento foi produzido por Valdir Crestani, um empresário de Santa Catarina e também doador das campanhas de Buligon e de Merísio, segundo registros do TSE. Crestani alega na ata ter ficado sabendo que representantes da Paper Excellence teriam ido à região de Santa Catarina com a intenção de sondar agricultores locais para negociar terras. Ele, porém, não apresenta contratos, registros e nem mesmo nomes dos representantes da multinacional ou proprietários das terras que teriam sido abordados.

Outro fato intrigante é que o ex-prefeito de Chapecó juntou nos autos um documento privado direcionado à Eldorado pelo Incra, no qual a autarquia questiona detalhes das terras de propriedade da empresa após uma ‘denúncia anônima’. Por não ser público, tal documento só pode ter chegado às mãos do ex-prefeito pelo Incra ou pelos seus contatos na empresa dos Batista. Diante da manifestação do Incra no processo, é pouco provável que a autarquia tenha contribuído com Buligon na ação popular, já que é acusada de omissão perante a negociação da Eldorado. Em sua defesa, o Incra esclarece nos autos que está acompanhando a transação e que compete somente a ele providenciar qualquer adequação caso seja necessário.

Já União, também alvo do ex-prefeito no processo, alega que a ação popular não demonstrou “a necessidade nem a utilidade da tutela pretendida” e que até o momento, não se tem notícia de que efetivamente tenha havido a transferência do controle acionário para a Paper, não havendo, portanto, qualquer ilegalidade.

A reportagem ouviu cinco especialistas em Direito Societário e todos defendem que a ação popular não poderia ter sido usada como instrumento para anular um negócio privado entre duas empresas, sem qualquer relação com o patrimônio público ou ameaça à soberania nacional.

A decisão do tribunal arbitral e do TJSP, a transferência da Eldorado está suspensa desde julho por uma tutela de urgência concedida pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), que atendeu os pedidos dessa ação popular.

Para Godoy Bueno, as ações provocadas pela OAB, assim como as ações movidas pelo ex-prefeito de Chapecó, Luciano Buligon e pela FETAGRI/MS, parecem ser muito mais um movimento político do que genuinamente jurídico.

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