Guia da SAF: Entenda o formato que pode mudar o patamar do Náutico
Timbu recebeu proposta que pode chegar a R$ 980 milhões em investimentos; entenda o que muda
A notícia sobre uma proposta não-vinculante entre o Náutico e um potencial investidor da SAF teve grande repercussão nos últimos dias. Muito desse frisson se deve aos valores envolvidos na negociação, que se aproxima de R$ 1 bilhão. A quantia, para lá de significativa, vem mexendo com o imaginário do torcedor alvirrubro – e dos seus rivais.
No entanto, antes de sonhar com as contratações galácticas, é preciso entender como funciona uma SAF, para onde vai o dinheiro prometido e quais garantias o clube possui.
Para esclarecer este tema que se tornou comum no noticiário do futebol brasileiro, o Esportes DP conversou com o advogado Pedro Teixeira, sócio da TPB Advogados, especialista em SAF e presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB/RJ.
O que é a SAF?
O motivo da criação da SAF pode ser resumido de forma simples: a necessidade de profissionalismo. Tanto se tratando de investimentos profissionais para o desenvolvimento do futebol brasileiro, quanto a necessidade dos clubes - afundados em dívidas históricas -, serem geridos de maneira profissional.
“A SAF é um tipo societário, assim como existe a LTDA, a SA, dentre outros. A Sociedade Anônima do Futebol é um tipo societário aplicável apenas aos clubes de futebol, criado justamente para estimular os clubes que atualmente são organizados como associações civis sem fins lucrativos, como é o caso do Náutico, a adotarem um modelo empresarial”, explicou Pedro Teixeira.
Por que só agora os clubes estão se tornando empresas?
Apesar da eclosão recente, com as aquisições multimilionárias de sete clubes brasileiros, os clubes-empresa não são uma novidade no país do futebol. O Cuiabá, que disputa o Brasileirão, tornou-se empresa em 2009, enquanto o RB Bragantino foi comprado pela RedBull em 2019, quase dois anos antes da Lei da SAF ser sancionada pelo Congresso Nacional.
Diferente dos modelos empresariais que a antecedem, a Sociedade Anônima do Futebol é um tipo societário criado especificamente para os clubes de futebol. Sendo assim, dispõe de uma série de benefícios fiscais - e jurídicos - que estimulam sua adoção pelas demais agremiações.
“A grande diferença da Lei da SAF foi o pacote de benefícios criados para estimular as associações civis a migrarem (para o modelo empresarial). Dentre esses benefícios, está um regime tributário próprio, chamado de Tributação Especial do Futebol (TEF)”, afirmou
“Esta carga de impostos reduzida”, prosseguiu, “ faz com que (os clubes) façam essa transição do sistema associativo para o empresarial sem que haja um acréscimo no pagamento de tributos, considerando que existe uma alíquota diferenciada na SAF. E, para além disso, existe a possibilidade de resolver as dívidas, seja por recuperação judicial, extrajudicial ou pelo chamado regime centralizado de execuções”, disse Pedro Teixeira.
Ainda de acordo com o advogado, além de uma maior atratividade a investidores, a SAF garante também uma responsabilização de gestores muito maior que no modelo associativo em caso de administrações temerárias, etapa importante para a profissionalização.
“O arcabouço jurídico aplicável às sociedades empresariais, dentre elas a SAF, é muito robusto, ou seja, induz muito mais ao profissionalismo porque existem regras claras de responsabilização dos gestores. Se eles fizerem alguma coisa equivocada que venha prejudicar tanto o clube, quanto os seus próprios acionistas, eles são pessoalmente responsabilizados”, afirmou.
Os próximos passos do negócio
Os trâmites para a constituição da SAF não foram iniciados agora. O Náutico trabalha há mais de um ano para viabilizar a criação da empresa, e uma destas medidas é a recuperação judicial.
O clube acertou também a locação de parte do CT Wilson Campos para uma rede de supermercados pelos próximos 20 anos. O negócio vai garantir cerca de R$ 130 mil mensais reajustados anualmente aos cofres alvirrubros, ganho importante para garantir lastro financeiro na RJ.
A proposta apresentada pela SAF Timbu ainda é não-vinculante, ou seja, não há consequências jurídicas caso haja desistência de uma das partes no negócio. A próxima etapa a ser seguida, aguardada pelo clube nas próximas semanas, é a formalização do interesse numa proposta vinculante, que será apresentada ao Conselho Deliberativo e submetida a votação da Assembleia Geral de Sócios.
Devido ao processo de recuperação judicial, a proposta também precisará ser aprovada pela Assembleia Geral de Credores e homologada pelo juíz da RJ para, enfim, se encaminhar à constituição da SAF e a posterior venda de parte majoritária do capital social.
Aprovada a constituição da SAF, o Náutico associação continuará existindo, mas será criado um novo CNPJ do Náutico clube-empresa, ou, Sociedade Anônima do Futebol. Os ativos do clube, como contratos, direitos comerciais, dentre outros, serão transferidos para propriedade da empresa criada para assumir o futebol do clube. Enquanto a associação ficará com o passivo e possivelmente com os chamados ativos imobiliários, que serão discutidos com mais detalhes no próximo tópico, e envolvem o Estádio dos Aflitos e o CT Wilson Campos.
Aflitos e CT Wilson Campos
A legislação da Sociedade Anônima do Futebol não define tópicos obrigatórios sobre o tema. Sendo assim, a decisão sobre a propriedade dos imóveis depende somente do acordo que for selado entre o clube e o investidor.
O modelo mais comum a ser adotado pelos clubes brasileiros, e também deve ser aderido pelo Náutico na venda do seu futebol, é manter os seus ativos imobiliários sobre propriedade da associação civil, cedendo-os para o uso da SAF num contrato de locação.
Investimentos e dívidas
Os valores postos à mesa pela aquisição da SAF do Náutico envolvem um pacote de investimentos que pode chegar aos R$ 980 milhões. No entanto, isso não quer dizer que a associação receberá a quantia. O valor do acordo envolve algumas variáveis, sendo as principais delas:
Orçamento mínimo
Trata-se dos aportes mínimos anuais que o investidor se comprometerá a investir anualmente para as contratações e o custeio da folha de pagamento, que estarão intimamente ligados ao desempenho esportivo da equipe através de metas contratuais e ao aumento extraordinário de receitas, como a venda dos direitos de TV na Liga Forte Futebol ou Libra.
Pagamento da dívida
Com dívida histórica que totaliza mais de R$ 227 milhões, o Náutico conduz um processo de recuperação judicial, cujo plano de pagamento será custeado pela SAF. Outra alternativa seria o direcionamento de parte dos investimentos para a quitação total dos credores, assim como as nuances adotadas na venda da SAF do Coritiba para a Treecorp Investimentos — que se comprometeu a liquidar as dívidas do clube.
Investimento em estrutura
Como de praxe nas negociações de aquisição das SAFs, uma grande fatia dos aportes deve ser destinada para reforma e modernização dos equipamentos do clube, sobretudo o Estádio dos Aflitos e o CT Wilson Campos, que devem receber investimentos que podem totalizar R$ 350 milhões.
Os detalhes do investimento, porém, só poderão ser discutidos quando houver a formalização da proposta, onde haverá o plano de investimentos detalhando os aportes.
Qual o poder que resta para a associação Náutico?
Apesar da SAF assumir o controle total do futebol, a legislação criou alguns poderes – ou influências -, que serão mantidos pela associação civil em casos específicos. Algumas das dúvidas que habitam o imaginário do torcedor alvirrubro referem-se às mudanças que a SAF pode - ou poderia - realizar no clube. Questões como escudo, cores, mascote e afins.
Independente da quantidade de ações ordinárias que o clube mantiver, as seguintes alterações somente poderão ser efetuadas com aprovação da associação:
- I - mudança de nome;
- II - mudança de escudo, brasão, marca, alcunha, hino e cores;
- III - mudança de sede para outro município.
Já caso mantenha pelo menos 10% das ações ordinárias, a associação civil do Náutico também terá poder de veto sobre as seguintes modificações:
- I - alienação, oneração, cessão, conferência, doação ou disposição de qualquer bem imobiliário ou de direito de propriedade intelectual do clube;
- II - qualquer ato de reorganização empresarial, como fusão, cisão, incorporação de ações, incorporação de outra sociedade ou trespasse;
- III - dissolução, liquidação e extinção;
- IV - participação de competições esportivas.
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