Google lança ofensiva contra PL das Fake News, mostram emails e relatório
Quem usa o Google nesta segunda-feira (1º) se depara com um link bem embaixo da caixa de busca, com os dizeres: “O PL das fake news pode piorar sua internet”. O link direciona para um post do blog do Google com inúmeras críticas ao projeto. Segundo o site de dados Statista, 97% dos brasileiros usam o Google para buscas na internet. De acordo com levantamento do NetLab, a plataforma também está privilegiando links de conteúdo de oposição ao PL nos resultados das buscas sobre o projeto de lei, além de anúncios do próprio Google criticando a nova legislação.
Procurada pela reportagem, a plataforma negou que esteja privilegiando links contra o PL em seu buscador e afirmou que seus sistemas de ranqueamento se aplicam para todas as páginas da web, incluindo aquelas que administra.
Em rede social, o ministro Flávio Dino (Justiça) postou imagem da página do Google com link sobre o PL e disse que encaminharia o caso para análise da Secretaria Nacional do Consumidor, de sua pasta, “à vista da possibilidade de configuração de práticas abusivas das empresas”.
De acordo com o NetLab, quando se procura por “PL 2630” no buscador, entre os primeiros resultados está um link de publicidade com o título: “PL da Censura”. Ele leva a um post no blog do Google que diz que a proposta “pode piorar a sua internet”.
Além desse, os outros links que aparecem nos primeiros resultados das buscas pelo termo são oficiais, como do Senado e Câmara, de veículos de imprensa e de sites hiperpartidários que se posicionam contra o PL, como a Revista Oeste, PlenoNews, PLdaCensura e Boletim da Liberdade, de propriedade do ex-deputado Paulo Ganime (Novo-RJ), que lidera campanha contra a regulação, além de vídeos do canal do Brasil Paralelo no YouTube.
Conforme o NetLab, os links do Google contra o PL também apareceram na primeira página não como propaganda, mas como resultado da busca orgânica pelo termo “PL 2630”, em consultas realizadas de forma anônima, sugerindo um usuário genérico brasileiro sem histórico, entre os dias 23 e 28 de abril.
Além disso, youtubers vêm recebendo desde sexta (28) e-mails do YouTube afirmando que eles vão perder dinheiro se o projeto for aprovado. As mensagens afirmam que o PL compromete “nosso modelo de compartilhamento de receita”.
Dizem que, ao ser obrigada a pagar por conteúdo jornalístico, como prevê o artigo 32 do PL, sobrariam “menos fundos para investir em você, em todos os nossos criadores e nos programas para ajudá-lo a desenvolver seu público”. No final, insta os youtubers a falar “com seus deputados nas redes sociais ainda hoje”.
Pelo Twitter, o influenciador Felipe Neto respondeu ao email do YouTube, dizendo nunca viu “uma tentativa tão pesada de utilização dos criadores para defender os interesses do Google”.
Segundo ele, o “posicionamento do YouTube é vergonhoso, pois é uma mentira e uma ameaça feita de maneira intencional”.
De acordo com Marie Santini, coordenadora do NetLab, o algoritmo do Google que determina o ranqueamento dos sites na ferramenta de busca normalmente mostra os resultados por ordem de relevância. Está entre os critérios o link ter sido citado por outras fontes de reconhecida reputação na internet.
“O que nos parece é que o Google ponderou os resultados de busca de tal forma a aumentar a relevância de sua própria voz em sua plataforma.”
Segundo ela, “isso pode configurar abuso de poder econômico às vésperas da votação” para tentar impactar a opinião pública e os votos dos parlamentares.
O relator do PL 2630, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), também critica as plataformas. “As artimanhas que essas big techs utilizam para combater esse projeto torna evidente a necessidade de regulação dessas empresas”, diz.
Em nota enviada à Folha, o Google diz que as “alegações não correspondem à realidade”. “Como fica comprovado pelo fato de os links para o Blog do Google, por exemplo, também estarem bem-posicionados em ferramentas de pesquisa de concorrentes. Não alteramos manualmente as listas de resultados para determinar a posição de uma página específica. Nossos sistemas de ranqueamento se aplicam de forma consistente para todas as páginas da web, incluindo aquelas administradas pelo Google.”
O Google tinha insinuado suspender seus programas de financiamento ao jornalismo caso o PL seja aprovado, em post no blog no sábado (29). No texto, assinado por Henrique Matos, diretor de parcerias de notícias na América Latina, a empresa afirma que o artigo sobre remuneração jornalística deveria reconhecer o investimento que a empresa já faz, senão “haverá pouco incentivo para que esses esforços de parceria continuem existindo”.
Também os criadores de conteúdo para o YouTube que abriram nesta semana o YouTube Studio, interface para gerenciamento de canais, foram surpreendidos por uma tarja azul com os dizeres: “Impacto negativo para criadores – Lei das Fake News”.
O link levava para texto do YouTube, em que a empresa afirma que, caso a lei seja aprovada, será incentivada “a remover conteúdo de forma agressiva por medo de serem responsabilizados”.
Sérgio Hoff, youtuber do canal Sindical Influencer, afirma ter estranhado o alerta urgente, uma vez que esse tipo de aviso em geral é relacionado a alteração em políticas da plataforma ou a temas que podem afetar a moderação do seu conteúdo, segundo ele.
“Não se trata de um alerta da plataforma e sim de uma espécie de coação”, diz.
Em nota, o Google afirmou que também usa as notificações no YouTube “para destacar informações que julgamos ser importantes para esse público”. “No debate sobre PL 2630/20, entendemos que as vozes de criadores foram pouco consultadas ou consideradas.”
Outra queixa veio do grupo Sleeping Giants, que teve um anúncio defendendo o PL 2630 derrubado pelo YouTube, com a justificativa de que a peça se relacionava a “eventos sensíveis”. O vídeo criticava as big techs por “fazerem pouco contra a desinformação”.
De acordo com as políticas de publicidade do YouTube, “eventos sensíveis” são aqueles relacionados a “impacto social, cultural ou político considerável, como emergências civis, desastres naturais, emergências de saúde pública, terrorismo e atividades relacionadas, conflitos ou atos de violência.”
Segundo Humberto Ribeiro, diretor jurídico do Sleeping Giants, foi a primeira vez que o grupo teve um vídeo derrubado.
O relatório do NetLab da UFRJ aponta que o próprio Google comprou anúncios contra o PL na própria plataforma, na Meta e até no Spotify, que veda esse tipo de publicidade.
O aplicativo de áudio estava veiculando anúncio do Google no meio da reprodução de listas de músicas ou podcasts, dizendo para falar “com seu deputado pelas redes sociais ainda hoje”. Segundo as regras do Spotify, no entanto, o aplicativo não aceita anúncios políticos, que incluem conteúdo que “critique entidades políticas ou decisões legislativas”.
Após publicação da reportagem, o Spotify entrou em contato com a Folha e informou, por meio de sua assessoria, que havia paralisado a campanha publicitária do Google contra o PL, por entender que ela viola as regras do aplicativo.
Parte dos anúncios contra o PL pagos pelo Brasil Paralelo e pelo próprio Google não aparecem no relatório de transparência da big tech, então não é possível saber quanto foi gasto e qual foi o alcance.
Ainda segundo o NetLab, o Google “apresenta resultados de busca enviesados”, porque os usuários que fazem buscas com a pergunta “O que é o PL 2630” recebem sugestões para busca sobre “Foi aprovado PL da censura” e “O que é o PL da censura”. O termo “PL da Censura” é como os opositores se referem à lei.
O Google afirma que o preenchimento automático reflete “pesquisas reais que estão sendo feitas”. “O Google mostrará pesquisas comuns e populares que outras pessoas fizeram na caixa de pesquisa, relevantes para os termos que você está digitando.”
De acordo com Marie Santini, as sugestões não correspondem às perguntas mais frequentes no buscador, segundo análise do site SemRush.
No ano passado, quando foi votado (e derrotado) o requerimento de urgência para o PL 2630, o Google também fez campanha pesada contra a legislação e incluiu link crítico na página de busca. Também enviou emails a comerciantes, dizendo que a lei iria dificultar que esses microempresários fizessem publicidade online.
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