Lembrar para não esquecer: Recife ganha Memorial da Democracia de Pernambuco
Equipamento cultural conta com acervo sobre Ditadura Militar no Brasil
Nesta quinta-feira (29), foi inaugurado o Memorial da Democracia de Pernambuco Fernando de Vasconcelos Coelho. Dedicado à preservação da luta pelo fim da Ditadura Militar no Brasil, o equipamento irá funcionar no casarão do Sítio da Trindade, em Casa Amarela, na Zona Norte do Recife. O espaço irá abrigar um vasto acervo documental produzido pela Comissão da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, criada em 2012 pelo ex-governador Eduardo Campos.
O memorial será espaço de visitação pública, de pesquisas e estudos, contribuindo para a formação cidadã e fortalecimento da democracia. Com entrada gratuita, o local é aberto para visitação de terça a domingo, das 10h às 18h.
O conteúdo histórico do memorial é distribuído em cinco salas do casarão. Dedicada à memória dos que combateram a ditadura militar, aos que foram mortos ou desapareceram durante o regime de exceção (1964-1985), a sala de número 5 é considerada o ponto alto do equipamento. Ali, podem ser vistas imagens de flagrantes de repressão, de manifestações de ruas e referências aos 51 mortos e desaparecidos políticos em Pernambuco ou de pernambucanos vítimas do regime militar fora do Estado.
Nas salas de exposição do memorial estão disponíveis versões digitais do relatório final da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara (CEMVDHC), com mais de 800 páginas, e os mais de 70 mil documentos coletados, entre prontuários, certidões de óbito, entrevistas e depoimentos. Está previsto ainda no equipamento uma biblioteca com títulos que convergem para a temática proposta pelo memorial, sala para palestras, debates e para exibição de filmes.
Homenagem
O Memorial recebe o nome do advogado, professor e político Fernando de Vasconcelos Coelho, que foi o coordenador geral da CEMVDHC, onde encerrou a vida pública. Fernando se destacou nas ações de combate à ditadura militar. Personalidade consagrada do estado, faleceu em 2019. O evento aberto ao público realizado nesta quinta-feira (29) contou também com a presença de ex-presos políticos e familiares, de autoridades políticas, religiosas e do movimento social.
Na inauguração, o prefeito João Campos assinou termo de cessão do casarão do Sítio Trindade ao Governo do Estado por 30 anos para o memorial. Todo o equipamento permanece sendo usado e administrado pela Prefeitura, incluindo as ações nos ciclos festivos e culturais da capital.
“Hoje é um dia histórico onde a gente inaugura o Memorial da Democracia Fernando de Vasconcelos Coelho, fazendo uma justa homenagem a Fernando e uma necessária referência à democracia. A gente teve nos últimos dez anos um trabalho muito bem feito da Comissão de Memória e Verdade de Pernambuco, que tem um acervo muito grande e agora está completamente acessível às pessoas. É importante a gente valorizar e reconhecer a democracia, sobretudo para as próximas gerações. O memorial é importante para a minha geração e as futuras terem o direito de conhecer a nossa História. Quando se conhece bem, a gente pode repetir acertos, mas jamais cometer os mesmos erros”, declarou o prefeito João Campos.
“A gente vai ter a oportunidade de ver crianças e jovens estudando de perto a democracia, conhecendo a nossa história. Que aqui a gente tenha a oportunidade do bom debate ser feito e que democracia jamais seja colocada em risco ou negociada. Agradeço mais uma vez a quem dedicou o seu tempo e a sua vida a esse trabalho. Se a gente hoje está aqui, se a gente teve a oportunidade de ser eleito por via democrática, a gente deve isso a muita gente que teve coragem de estar na linha de frente e defender a democracia”, acrescentou o prefeito.
O local
O Sítio Trindade já acolheu o Forte Arraial do Bom Jesus, no século XVII, foco de resistência contra os invasores holandeses. Seu chalé, entre 1960 a 1964, foi a sede do Movimento de Cultura Popular (MCP), que reuniu nomes como Paulo Freire, Abelardo da Hora e Francisco Brennand e teve as atividades encerradas após ser invadido por tanques na ditadura militar.
O memorial foi construído com recursos do tesouro estadual. “A parceria com a Prefeitura do Recife torna possível a gente dar um olhar em relação a um tema tão importante para o futuro do nosso país, que é o fortalecimento das instituições democráticas. A democracia teve vários momentos da nossa história ameaçados e a gente não pode deixar o Brasil retroagir. Por isso, resgatar a memória, resgatar a verdade, ter instrumentos que possam fazer a população conhecer a história é fundamental para um futuro melhor que a gente quer”, declarou o governador Paulo Câmara.
Como também um resgate cultural, o projeto conta com réplica da escultura Torre Cinética e de Iluminação, de autoria de Abelardo da Hora, com oito metros de altura, a primeira grande escultura de grande porte feita no Brasil. Criada originalmente em 1961 e instalada na Praça da Torre, o monumento foi destruído em 1964 por censura artística, pelo Exército, por ter sido considerado subversivo e simbolizar a liberdade dos ventos. O local também conta com o Monumento que simboliza o processo de opressão e tortura, mas que também representa a luz e a esperança do espírito imortal é atemporal dos que lutam por liberdade, obra do escultor Jobson Figueiredo.
Manutenção
O Memorial da Democracia tem curadoria da socióloga Isa Grinspum Ferraz, também responsável pela curadoria do Museu Cais do Sertão, e a coordenação de conteúdos e roteiros do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. Sobrinha do guerrilheiro Carlos Marighella, assassinado em 1969 por agentes do regime militar, Isa montou um roteiro para o Memorial da Democracia de Pernambuco em que o visitante conhece personagens importantes para a criação da ideia de um estado pernambucano, passando pelas lutas libertárias e contra a escravidão, a história e o propósito do MCP e enfrentamento ao regime de exceção implantado pelos militares em 1964.
“Esse é um memorial que é pioneiro no Brasil e que vem ocupar um lugar necessário no quadro educacional e político do país. O Brasil tem fraturas profundas que persistem desde o tempo da colonização e que tomaram diferentes formas e feições ao longo do tempo. O Memorial é uma afirmação de que é preciso olhar para nossa história reconhecendo nela os momentos dramáticos e aqueles luminosos. Os gestos de resistência e o desejo de uma construção de outra realidade para estarmos sempre atentos às ameaças à vida democrática e à liberdade que continuam a nos rondar”, disse a curadora.
Por Maria Priscila Martins
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