A rachadinha de R$ 2 milhões de Davi Alcolumbre
Marina, Lilian, Erica, Larissa, Jessyca e Adriana são moradoras da periferia do Distrito Federal, pobres, desempregadas e personagens de uma ignóbil trapaça. As seis foram contratadas como assessoras do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) em Brasília, mas nunca trabalharam. As seis tinham vencimentos que variavam de 4 000 a 14 000 reais por mês, mas não recebiam esse dinheiro de forma integral.
As seis revelam uma história que, na melhor das hipóteses, vai constranger o Congresso Nacional como um todo e o parlamentar amapaense em particular.
Até o início deste ano, Alcolumbre presidiu o Senado e atualmente comanda a poderosa Comissão de Constituição e Justiça. Durante muito tempo, ele empregou em seu gabinete mulheres, cuja única função era servir como instrumento de um conhecido mecanismo de desvio de recursos públicos.
Admitidas, elas abriam uma conta no banco, entregavam o cartão e a senha a uma pessoa da confiança do senador e, em troca, ganhavam uma pequena gratificação.
Salários, benefícios e verbas rescisórias a que elas teriam direito não ficavam com elas. Valor da fraude? Pelo menos 2 milhões de reais.
“O senador me disse assim: ‘Eu te ajudo e você me ajuda’. Estava desempregada. Meu salário era
mais de 14 000, mas topei receber apenas 1 350 reais. A única orientação era para que eu não dissesse para ninguém que tinha sido contratada no Senado”, Marina Ramos Brito dos Santos, 33 anos, diarista.
O esquema começou em janeiro de 2016 e funcionou até março deste ano. Sabe-se que cada senador tem direito a uma verba de 280 000 reais por mês para contratar auxiliares. Há pouca ou quase nenhuma fiscalização sobre o uso desse dinheiro. Essas mulheres que agora admitem a prática foram empregadas como assessoras parlamentares, mas nenhuma delas tinha curso superior nem qualquer tipo de experiência legislativa.
Eram todas pessoas humildes, que mal sabiam onde ficava o Congresso, atraídas pela proposta de ganhar um dinheiro sem precisar trabalhar. Bastava às candidatas emprestar o nome, o CPF, a carteira de trabalho e atender a uma exigência: manter tudo sob o mais absoluto sigilo. A diarista Marina Ramos Brito conta que ouviu essa proposta indecorosa da boca do próprio Davi Alcolumbre. Até fevereiro do ano passado, ela ocupou o cargo de “auxiliar sênior” do senador. Além do salário fixo de 4 700 reais, acumulava benefícios, como auxílio-alimentação, auxílio pré-escolar e até uma curiosa gratificação por desempenho. Somando tudo, os vencimentos passavam de 14 000 reais. Marina, porém, recebia menos de 10% disso.
No mesmo dia em que o pagamento dos funcionários do Congresso era creditado, a conta pessoal da diarista em Luziânia recebia a “ajuda” prometida pelo senador – um depósito em dinheiro, que começou com 800 e terminou em 1 350 reais, como mostram extratos bancários a que VEJA teve acesso.
Simultaneamente, alguém usava o cartão e a senha da conta funcional para sacar todo o salário da funcionária. A diarista conta que, na conversa com o senador, a única exigência feita foi que ela não comentasse com ninguém os detalhes sobre o novo emprego: “Ele disse para não contar a ninguém em Luziânia que eu tinha sido contratada no Senado”.
Tempos depois, Marina lembra que recebeu um pedido para arregimentar cinco mulheres que estivessem desempregadas, precisando de dinheiro e dispostas a fazer o mesmo acordo – de preferência, que tivessem filhos pequenos. Explica-se: o Senado paga um auxílio de 830 reais para cada filho em idade pré-escolar. Ou seja, os vencimentos embolsados ficariam ainda mais gordos quanto mais filhos a servidora fantasma tivesse.
Mãe de cinco filhos e beneficiária do programa Bolsa Família, a dona de casa Adriana Souza de Almeida topou a oferta e foi contratada como “ajudante júnior” de maio de 2017 a fevereiro deste ano. O holerite mostra que os vencimentos dela somavam 4 000 reais. “Mas eu só recebia 800 reais por mês”, revela. Ela é empregada de uma fazenda, onde mora com o companheiro e os filhos, diz que esteve no Senado “umas quatro vezes” para levar os documentos, não tem a mínima ideia do cargo que exercia e nem sabe direito por que foi demitida. “Nunca prestei nenhum tipo de serviço para o senador, e também nunca vi ele”, confirma.
Revista Veja
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