"Rei da Muganga" e de um forró que vai deixar saudade
Cantor e compositor paraibano, que morreu por complicações da Covid-19, deixa legado de deboche e irreverência no mais nordestino dos gêneros, o forró
Quem não conheceu a Severina Xique-Xique e a butique dela, e todo o sentido lúdico e debochado da cantoria de Genival Lacerda, perdeu os bons tempos de um forró personalizado e raro, cada vez menos explorado.
Que o digam o Trio Nordestino, Ary Lobo e Jackson do Pandeiro, o tanto quanto ícones quando o assunto é adicionar ao mais nordestino dos gêneros a irreverência de um duplo sentido nas letras, como tão bem fez o “Rei da Muganga”, vítima recente que teve a vida ceifada pela Covid-19.
Internado em um hospital particular do Recife desde o dia 30 de novembro do ano passado, Genival, aos 89 anos e ainda marcado pelo Alzheimer e por um AVC que havia sofrido meses antes, embora desta doença estivesse em recuperação, persistiu e animou quem torcia por sua saúde.
Apesar da gravidade imposta pelo vírus, chegou a abrir os olhos e levou esperança aos médicos que aos poucos iriam reduzir a sedação. Mas entre boletins que alternavam em noticiar pioras e melhoras, foi de um dos seus filhos, também cantor, João Lacerda, via Redes Sociais, que veio a informação de que ela havia partido: “Hoje perdi um dos maiores amigos de minha vida, amigo da música, de ensinamentos (...). Meu anjo da guarda, minha luz, minha vida.”
De barriga saliente, seu principal “acessório” nas perfomances que marcaram suas apresentações nos palcos, aliado ao chapéu e à sandália de couro, foram pouco mais de seis décadas de carreira brincando com o forró e seus desdobramentos no xaxado, baião e afins, desde o primeiro disco “Coco de 56” (1955), pela Mocambo.
Mas foi só no início da década de 1970 no álbum “Aqui tem Catimberê”, com a música “Severina Xique-Xique”, composta por João Gonçalves, seu conterrâneo de Campina Grande (PB), que o “mugangueiro” – apelido que nominou, inclusive, alguns de seus LPs, como o “Mungagueiro Aloprado” (1971) – Genival passou a ser de todo o Brasil.
“Foi o pontapé da carreira dele, a que ele mais gostava, a que mudou as nossas vidas e a que era pedida nos shows sempre. Essa ‘Dona Severina’ é uma danada mesmo”, brincou, em meio à voz embargada, João, um dos dez filhos de “Seu Vavá”, como também era chamado.
“É o momento mais difícil da minha vida. Meu pai fez história na música brasileira, no forró. A irreverência, as camisas coloridas, a ‘alpercata’, ele ser nordestino, esse é o legado”, complementa ele, que ficou à frente das resoluções sobre velório e enterro do pai, em Campina Grande. “Foi um pedido dele ser enterrado ao lado do túmulo da mãe”.
Junto à "Severina Xique-Xique", “Galeguim do Zoio Azu”, “Mate o Veio Mate” e “Caldinho de Mocotó” foram listadas pela Ecad como as mais tocadas de Genival nos últimos cinco anos, mas "Radinho de Pilha" e o nordestinês de um “Rock do Jegue”, a conhecida “De quem é Esse Jegue?”, também foram sucessos de sua trajetória que culminou em pelo menos 70 discos gravados, o último deles, do início de 2020, "Pai & Filho", feito com João que sobre sua obra, destacou que “O trabalho dele vai ficar em cada uma delas, neste disco que fizemos juntos e com o DVD". Este, "Minha Estrada", gravado em 2019 no Teatro Boa Vista com a participação de nomes como Silvério Pessoa, Nando Cordel, Caju e Castanha e Jorge de Altinho.
Como diria a também paraibana Elba Ramalho, Genival “tinha uma coisa genuína, trazia aquela coisa picante sem ser vulgar.” “A gente gosta dessa brincadeira, é da nossa alma nordestina. Para cantar com ele você tinha que ser bamba, era difícil segurar porque era tão intuitivo, tão perfeito.
Todas as vezes que a gente se encontrava era para gargalhar e divertir. A morte sempre traz para a gente uma reflexão e, ao mesmo tempo, uma tristeza. Que ele faça agora essa travessia. Que ele possa se encontrar com Gonzagão, Jackson, Marinês, fazendo aquela festa bonita lá do céu”, finalizou, em conversa com a Folha de Pernambuco.
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