Especialista em direito do trabalho, juíza analisa caso entre Náutico e Dal Pozzo: 'Inusitado'
Juíza do TRT-6, Márcia de Windsor Nogueira foi ouvida pelo Diario e comentou sobre elementos apontados pelas duas partes do processo jurídico
No último dia 12 de agosto, as manchetes estampavam a saída do técnico Gilmar Dal Pozzo do comando técnico do Náutico. Porém, a relação entre treinador e clube não terminaria ali. pelo contrário, deve se estender ao longo dos próximos meses, nos tribunais.
Passaram-se 15 dias até esta quinta-feira (27), e o treinador teve a rescisão contratual concedida de forma indireta pela 2ª Vara do Trabalho de Florianópolis, através liminar. Na decisão, o Náutico é cobrado pelo pagamento de R$ 500 mil pelo valor de rescisão, com multa diária de R$ 500 a cada dia de atraso após o prazo dado pela Justiça.
Por sua vez, o clube alvirrubro afirma que vai recorrer da decisão em tempo hábil, sustentando a defesa de que "não houve demissão". O Departamento Jurídico do Náutico se baseia em uma cláusula contratual que, na tese alvirrubra, confere a decisão sobre qual setor do clube Dal Pozzo treinaria.
Para entender o caso, o Diario de Pernambuco ouviu a juíza especialista em direito e processo do trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-6), Márcia de Windsor Nogueira - a entrevista foi realizada antes do ajuizamento do caso na 2ª Vara do Trabalho de Florianópolis. Nos comentários tecidos sobre o caso, Márcia aponta o imbróglio como inusitado e aborda sobre os principais pontos de ambas as partes.
Cláusulas específicas
"É fato que a lei, e principalmente a Lei Pelé, que rege essa questão do atleta de futebol, ela deixa margem para algumas coisas serem legitimadas em contrato. Algumas situações podem trazer especificidade nessas cláusulas contratuais."
"Por outro lado, é difícil emitir uma opinião específica de contrato sem conhecer por completo. Porém a situação dá margem a diferentes interpretações. Até porque não há como se interpretar uma cláusula de contrato isoladamente. As cláusulas têm que ser interpretadas em seu conjunto. E também com base nas normas legais, constitucionais e nos princípios que regem os contratos. Nesse caso, com ênfase nas normas e princípios que regem o direito desportivo e trabalhista."
Um caso inusitado
"Confesso que por tudo o que tenho estudado, lido, ouvido, é uma situação extremamente inusitada. Nunca antes ouvi falar em alteração desse porte.
"Na Lei Pelé ou as leis que regem especificamente os contratos dos atletas não há nada específico que trate dessa situação, desse tipo de alteração da equipe."
Pode configurar rebaixamento de função
"Beira o rebaixamento. Em tese, a gente pode dizer que há um rebaixamento. Se há um time principal e um time Sub-23 que não está no mesmo nível e sequer está tendo treinamentos ou apresentação, seria difícil entender como não ser um rebaixamento, até pela importância."
CLT também servirá de apoio
"Naquilo que a lei Pelé e as demais normas que regem o contrato de atleta profissional for omissa, desde que seja compatível, a CLT é utilizada de forma supletiva. O artigo 468 da CLT, certamente, será invocado nessa questão."
"Temos a CLT que também é usada de forma subsidiária nesses casos, de forma complementar quando não encontramos nessa lei específica, e temos até uma inovação da Medida Provisória 984, e ela abrange também em casos de omissão de leis específicas"
"Temos o Artigo 468, que veda, impede a alteração contratual que não aconteça por mútuo consentimento, e aquelas que possam resultar em prejuízo de forma direta ou indireta ao empregado"
"De qualquer maneira, iniciar num grupo mais elitizado e passar para um grupo de menor repercussão, um 'sub', como o próprio nome indica, é o sub da elite. Poderia trazer, em tese, direta ou indiretamente, prejuízo para o atleta ou para o técnico? Pelo próprio currículo, nesse mundo futebolístico, quando chega numa outra equipe, ou outro time, dizer que foi treinador do time principal ou do time de que não é o principal, abaixo do topo, pode ser interpretado como uma forma de prejuízo, ainda que não haja prejuízos remuneratórios."
"Mesmo se o Náutico continuar pagando o mesmo valor que estava pagando, o prejuízo não pode ser tratado apenas pecuniariamente. Hoje em dia, que se fala tanto em violação do direito, até em que possa ensejar em violação de direitos morais, poderia sim ser interpretado dessa forma."
Premiações são pontos-chave
"A gente volta para o Artigo 468, que primeiro reforça a tese dele (Dal Pozzo), quando menciona os campeonatos específicos de um time principal. Você delimita quais são, se essas premiações decorrem da participação de campeonato maior, que gerem maior retorno remuneratório, se ele passa para um time inferior, o que gerará premiações menores, aqui a gente tem também um resultado direto dessa alteração de prejuízo, quando se trata de um tema monetário. Porque ele vai ganhar menos, é um prejuízo mais evidente."
"Se as premiações são baseadas no campeonato que ele participa, o time principal participa de campeonatos que gerem valores maiores e as premiações são previstas em contrato, isso já linkou ao contrato para ser técnico de um time principal."
Demissões de Luciano Borges e Walter Grassmann reforçam tese de Dal Pozzo
"Também é algo. A gente está vivendo algo excepcional de pandemia, e estamos vendo o chamado de direito de emergência ganhar espaço, o que gerou uma situação para atletas de futebol. Mas acho que a dispensa do assistente técnico, ao mesmo tempo, poderia ensejar a interpretação de que há o interesse de rescindir o contrato com o grupo, e estaria evitando a questão do pagamento da cláusula compensatória. Poderia dar a entender nesse sentido que só está evitando celebrar a rescisão evitando pagar a multa prevista no Artigo 28, parágrafo 3 da Lei Pelé, que estipula até onde vai essa cláusula compensatória desportiva, quando o contrato é rompido pelo time, pelo contratante."
DP
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