GIF Patrocinador

GIF Patrocinador

quarta-feira, 1 de abril de 2020

CORONAVÍRUS

Ministro da Saúde mostra competência e se equilibra entre a  área técnica e pressão política

Ministro da SaúdeFoto: Arquivo/Agência Brasil


Ainda em janeiro, quando não havia casos confirmados no Brasil, o ministro já falava em ter cautela, mas sem pânico

O avanço de casos do novo coronavírus e o impacto da crise nos planos do governo vêm levando o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a mudar seu discurso de acordo com o aumento do número de casos no país, as cobranças do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a pressão de entidades e aliados.

Ainda em janeiro, quando não havia casos confirmados no Brasil, o ministro já falava em ter cautela, mas sem pânico. O cenário, restrito à China na época, passou a ser monitorado por meio de um centro de emergência criado pelo Ministério da Saúde.

Mandetta dizia que o país estava preparado e que os dados iniciais apontavam para uma infecção semelhante a uma gripe, mas que precisava de alerta em casos graves.

Aos poucos, com a evolução da doença pelo mundo, Mandetta foi modulando o tom de sua fala; ora elevava a gravidade devido à epidemia ora amenizava-a cada investida do presidente que pretendia minimizar a crise.

Nesta segunda (30), ele posicionou publicamente diante da pressão que vem sofrendo de Bolsonaro para flexibilizar o discurso. O presidente insiste na retomada das atividades, enquanto a Saúde vem fazendo orientações para desestimular a aglomeração de pessoas.

"É preciso entender que vamos ter um código de comportamento, de distanciamento entre pessoas, para que a gente não tenha uma paralisia e morra de paralisia, mas também não tenha um frenesi que cause um megaproblema."

As idas e vindas no discurso indicam não só influência da avaliação técnica da saúde como do cenário político. Da parte da saúde, a mudança foi visível no último mês. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em fevereiro, após o primeiro caso confirmado, o ministro afirmou que, se o cenário da China se repetisse no Brasil, com cerca de 50 mil casos em São Paulo, seria "administrável".

Poucos dias depois, com o aumento vertiginoso de casos na Itália, a avaliação começou a mudar. Mandetta defendeu que a Organização Mundial de Saúde declarasse pandemia em um momento em que a entidade ainda falava apenas em "risco alto a nível internacional".

Em seguida, em outro sinal mais forte de reconhecimento do impacto da doença, passou a dizer que o vírus é "letal" ao sistema de saúde. "Não existe nenhum sistema 100% preparado para ser em massa acionado para testes, diagnóstico, internação, isolamento e leitos em CTI."

O risco de um colapso no sistema de saúde foi citado pelo ministro em reunião com empresários. Segundo ele, o Brasil poderia enfrentar a situação ainda em abril.O aumento no alerta, porém, não foi bem recebido no Palácio do Planalto. Com os holofotes centrados na saúde e com elogios públicos à sua atuação, Mandetta passou a ser alvo de cobranças de Bolsonaro para suavizar o discurso e, num primeiro momento, cedeu.

Em uma ocasião, chegou a falar na necessidade de não haver histeria, repetindo palavras de seu chefe. "Não podemos deixar isso se transformar em histeria e desespero! Calma, serenidade, prevenção e ações eficazes são armas importantes para superarmos o coronavírus", escreveu no Twitter.

Também passou a criticar medidas de paralisação adotadas por governadores para conter a transmissão do vírus e chegou a endossar parte do discurso de Bolsonaro, que defendeu em pronunciamento o fim do "contingenciamento em massa".

"Temos que melhorar esse negócio de quarentena, foi precipitado, foi desarrumado", disse o ministro. Para ele, alguns governadores "passaram do ponto".

Mandetta passou então a ser alvo de críticas até de parte dos médicos. Aliados políticos fizeram um apelo para que o ministro se mantenha firme tanto no cargo quanto na defesa de suas convicções de especialista.

O aconselhamento surtiu efeito, e desde o último sábado ele mudou o tom de novo,
voltando a mostrar apoio a medidas de isolamento adotadas pelos estados. "Ainda não dá para falar: 'Libera todo mundo para sair', porque a gente não está conseguindo chegar com o equipamento 'just in time' [na hora certa], como a gente precisa", disse o ministro. "Se sair andando todo mundo de uma vez, vai faltar [atendimento] para rico e pobre."

Também deu recados a apoiadores do Bolsonaro. "Daqui a duas, três semanas, os que falam 'vamos fazer carreata" serão os mesmos que vão ficar em casa."
No sábado, o ministro propôs ao presidente um alinhamento de discurso. A fala foi endossada por outros auxiliares de Bolsonaro, e um acordo foi firmado. Não durou 24 horas. No domingo, o presidente saiu às ruas de Brasília.

Bolsonaro segue insistindo em isolamento apenas dos grupos de risco e fala na retomada do comércio. Mandetta se opôs à ideia nesta segunda-feira (30). "É só pegar as pessoas com mais de 60 anos e cuidar? Como se essas pessoas estivessem dentro de uma cápsula. Essas pessoas moram com vocês, têm netos, têm filhos, trabalham, pegam ônibus, são ambulantes", disse.

"Por enquanto mantenham as recomendações dos estados, porque nesse momento temos muitas fragilidades no sistema de saúde." Ao mesmo tempo em que reforça as críticas, o ministro tem dado acenos a propostas de Bolsonaro ao afirmar que"a economia é importante para a saúde" e que uma paralisação total em todo o país seria um "desastre".

Entre idas e vindas, secretários de saúde e especialistas têm cobrado que a pasta não altere decisões por pressão política e que o ministério mantenha o tom técnico."Quando tem duas autoridades falando duas coisas diferentes, isso gera insegurança. Em quem acreditar: no ministério ou no presidente?", afirmou Alberto Beltrame, presidente do Conass, conselho que reúne secretários estaduais de saúde.

"O que assusta neste momento é que parecem dois mundos paralelos. Desde que o presidente negou a gravidade da crise sanitária, há essa falta de sincronia entre o que ele e o Ministério da Saúde dizem", afirma Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP.

A cobrança também vem de aliados, que sugerem até a saída do ministro caso haja aumento na interferência. Ele nega uma possível saída. "A partir do momento que o Ministério da Saúde for coagido a mudar a questão técnica, o Mandetta tem que pedir o boné e sair de espinha ereta", diz o deputado Fábio Trad (PSD-MS), primo do ministro. "Entre a ciência, que hoje é prestigiada pelos líderes mundiais, e a credulidade do presidente, Mandetta tem que ficar com aquilo que é a formação dele. É preferível sair com as convicções intocadas do que ficar como títere."


Folhapress

Nenhum comentário:

Postar um comentário