As tarefas domésticas e do cuidado em tempos de Covid-19
Mulher lavando louçaFoto: Wikimedia
Não custa insistir: as responsabilidades e tarefas de cuidado com a vida devem ser coletivas.
Em dias de quarentena recebo algumas piadinhas machistas e sem graça de maridos que não aguentam mais suas esposas pedirem para que levantem do sofá e façam alguma coisa. Talvez essa imagem não tenha fronteiras de classe social. São as relações de gênero, que perpassam todas as classes, ainda que de forma distinta. Tem gente que continua trabalhando para não perder o emprego ou porque senão não entra nada em casa. Relações de gênero, no Brasil com Bolsonaro, podem estar mais evidentes porque renaturalizadas, vide o aumento dos casos de violência doméstica no período de quarentena. A violência contra as mulheres já era maior nos finais de semana, quando os homens estão de folga. Porque eles se sentem tão humilhados e irritados com esta proximidade ao doméstico, universo relegado historicamente às mulheres? Vem daí também a dificuldade que os intelectuais de esquerda têm de ler o mundo com uma perspectiva de gênero e de raça?
Remetendo a questões culturais, lembrei de algumas semanas passadas no Canadá, em Toronto, para um curso de inglês. De tarde costumava ver um pouco de televisão para exercitar a audição da língua. Adorava programas relacionados à cozinha. Em um deles, um pai que ficava em casa, e que era um verdadeiro chef, ensinava coisas deliciosas e simples a fazer para as crianças nos intervalos das brincadeiras, enquanto também pensava e armava o almoço e o jantar. Tinha outro que me chamava mais a atenção: uma casa em que a mãe não gostava muito de cozinhar era visitada por uma consultora que buscava responsabilizar toda a família, inclusive crianças a partir de determinada idade, com estas tarefas. Ela organizava uma agenda em que cada dia caberia a uma pessoa da casa preparar a refeição. Se o garoto era bom em hambúrgueres, propunha a ele um cardápio relacionado: hambúrguer com salada, sem o pão ou batatas, por exemplo, preocupada em fazer com que as refeições fossem também mais saudáveis. Se o pai era bom com as massas, ou não era bom em nada, propunha algo saudável que não fosse tão difícil dele aprender a fazer. E a mãe, como as outras pessoas, tinha apenas o seu dia no rodízio de ir para a cozinha. O cardápio e a distribuição era pra várias semanas. A consultora voltava para acompanhar e certificar se aquilo contribuía para mudar os hábitos da família.
Eu adorava esses programas porque eles criavam um deslocamento da ideia de que a mulher e mãe, por ter sido responsável pela amamentação, tinha que passar o resto da vida cuidando de alimentar a família. Isso vale para todas as tarefas da casa, que devem ser da responsabilidade de todos/as que nela habitam. Aliás, como temos visto, este tem sido um tempo que convida a arrumar a casa: guarda-roupas, livros, discos/CDs, brinquedos, além de limpar chão, lavar banheiro, coisas que precisam ser feitas com mais frequência quando as pessoas estão o tempo todo em casa. Nada mais justo e democrático que cada pessoa tenha uma parte destas tarefas sob sua responsabilidade, em igual medida.
E o que fazer para garantir a higiene necessária, nestes tempos com ameaça de contaminação por todos os lados, quando falta água em casa? Entendendo que a responsabilidade com os cuidados devem ser coletivas, o Fórum de Mulheres de Pernambuco (FMPE) que mantém as conversas em grupo de WhatsApp, elaborou um precioso documento de orientação para aquelas famílias que estão nesta situação. Segundo Pergentina Vilarim, coordenadora do Fórum, “os movimentos de mulheres e feministas têm contribuído para visibilizar as desigualdades existentes entre as mulheres e buscam fortalecer as redes de solidariedade neste momento em que as mulheres estão piradas de medo. Mesmo sendo da classe trabalhadora, algumas em situação de vulnerabilidade, todas as integrantes do FMPE contribuem. Quem tem dinheiro, alimentos, e pode, compartilha. Quem tem só atenção e escuta doa seu tempo, sua empatia. Tudo porque somos feministas!”.
Por: Carla Gisele Batista*
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