Uruguai:Aliança de centro-direita pode vencer eleição
Foto: MARIANA GREIF / REUTERS
Aliança de centro-direita é favorita para vencer eleição no Uruguai. Lacalle Pou aparece na frente nas pesquisas em pleito que pode pôr fim a 14 anos de governo da Frente Ampla
Depois de quase 14 anos no poder, a Frente Ampla uruguaia enfrentará hoje sua eleição mais difícil. Segundo todas as pesquisas, a esquerda corre grande risco de ser derrotada por uma aliança de cinco partidos de centro-direita, incluindo uma das novidades eleitorais do ano, o Cabildo Aberto. O movimento é liderado pelo ex-chefe do Exército Guido Manini Rios, que obteve 11% dos votos no primeiro turno em outubro e foi peça chave no acordo que pode permitir a eleição de Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional. A grande dúvida é se essa parceria se transformará numa coalizão de governo e, nesse caso, que concessões Lacalle Pou deverá fazer para preservar o apoio do homem que lhe garantiria o controle do Parlamento.
Nos últimos cinco anos, analistas estimam que a Frente Ampla do presidente Tabaré Vázquez — que encerra seu segundo mandato não consecutivo em meio a um tratamento contra um câncer de pulmão — perdeu cerca de 200 mil votos. No Uruguai isso representa em torno de 9 pontos percentuais. Como se explica a crise da Frente Ampla? Com três elementos centrais, apontaram analistas ouvidos pelo GLOBO: desaceleração da economia, aumento da insegurança e escândalos de corrupção.
— Nossa última pesquisa indicou que Lacalle Pou tem 51% das intenções de votos, contra 43% do candidato do governo, o ex-prefeito de Montevidéu Daniel Martínez. Há cinco anos o Uruguai praticamente não cresce. Entre eleitores acima de 45 anos e nos setores mais humildes, a decepção é enorme — opinou Eduardo Botinelli, diretor da Factum.
300 medidas
É interessante analisar a queda de respaldo ao movimento que Vázquez lidera ao lado de veteranos como o ex-presidente José Pepe Mujica (2010-2015). Os mais jovens, comentou Botinelli, continuam representando a principal base de apoio à Frente Ampla. Já eleitores mais velhos, do interior e, principalmente, das classes média e média baixa estão desencantados.
É interessante analisar a queda de respaldo ao movimento que Vázquez lidera ao lado de veteranos como o ex-presidente José Pepe Mujica (2010-2015). Os mais jovens, comentou Botinelli, continuam representando a principal base de apoio à Frente Ampla. Já eleitores mais velhos, do interior e, principalmente, das classes média e média baixa estão desencantados.
— A Frente Ampla não encontrou saídas para os problemas que mais preocupam os uruguaios. Em seus governos, o número de presos passou de 4 para 11 mil, mas aumentaram os homicídios, os assaltos com violência e a insegurança em geral — disse Daniel Chasquetti, professor da Universidade da República.
Ele é um dos que se pergunta como será a convivência de Lacalle Pou com Manini Rios, em caso de vitória eleitoral. O ex-chefe do Exército tem posições mais radicais, comentou Chasquetti, que poderiam causar divergências com Lacalle Pou. O Cabildo Aberto terá 11 deputados, de um total de 99, e três senadores, o que representa 10% das 30 cadeiras da Casa. A Frente Ampla ficou com 13 senadores e 42 deputados. O restante ficou com os partidos Nacional, Colorado, Independente e siglas menores. Juntos, os cinco partidos que se uniram para fortalecer a candidatura de Lacalle Pou têm maioria na Câmara e no Senado. Em seus últimos atos de campanha, o candidato de centro-direita repetiu até o cansaço que “vamos ganhar juntos e vamos governar juntos”. Lacalle Pou disse, ainda, que a Frente Ampla “vai deixar uma casa muito bagunçada”.
— Lacalle sabe que deverá aplicar políticas de ajuste, e Manini Rios defende um Estado mais presente — apontou Chasquetti.
O candidato presidencial de centro-direita, que durante toda a campanha fez questão de manter sua imagem distante da de todos os chefes de Estado da região, sem exceção, prometeu enviar ao Parlamento um pacote com mais de 300 iniciativas. A ideia é se mostrar proativo e tentar blindar o Uruguai de qualquer tipo de efeito de contágio num continente conturbado. Segundo assessores de Lacalle Pou, foi preciso aprender com o fracasso do presidente argentino, Mauricio Macri (de quem o candidato se aproximou em 2015 e depois se afastou), que apelou ao gradualismo e não conseguiu aprovar as reformas que pretendia. Já Martínez fez questão de pôr a crise regional na agenda e afirmou que “se a oposição ganhar isso aqui termina como a Argentina ou o Brasil”.
— A aliança opositora é um perigo por sua instabilidade — afirmou o candidato do governo.
Direitos civis
Muitos se perguntam se existe risco de retrocesso em relação a conquistas de direitos civis nos três governos da Frente Ampla. Lacalle Pou comprometeu-se a não modificar leis, mas analistas especulam com medidas do Executivo que possam implicar, na prática, alterações, por exemplo, em relação ao aborto e à venda de maconha nas farmácias.
Muitos se perguntam se existe risco de retrocesso em relação a conquistas de direitos civis nos três governos da Frente Ampla. Lacalle Pou comprometeu-se a não modificar leis, mas analistas especulam com medidas do Executivo que possam implicar, na prática, alterações, por exemplo, em relação ao aborto e à venda de maconha nas farmácias.
Segundo a empresa de consultoria Cifra, o filho do ex-presidente Luis Alberto Lacalle (1990-1995) conseguiria eleger-se com 51,5% dos votos, contra 44,5% de Martínez. Na visão da analista Mariana Pomies, o melhor governo da Frente Ampla foi o primeiro de Vázquez (2005-2010). Nele foram aprovadas a reforma tributária, do sistema de saúde, lançados programas de apoio a setores sociais vulneráveis e aprovada a lei que legalizou o aborto em alguns casos, entre outras iniciativas. Com Mujica chegou a legalização da maconha e do casamento gay.
— Duvido muito que um governo de centro-direita anule medidas tão emblemáticas. O difícil vai ser continuar avançando em matéria de direitos civis — afirmou Pomies.
Nenhum dos analistas ouvidos disse observar um impacto regional na eleição presidencial do país. Será, coincidiram todos, “um processo à la uruguaia”, pacífico e democrático. A palavra que mais se ouviu durante a campanha por parte da oposição foi “alternância”. E tudo indica que isso é o que acontecerá no Uruguai a partir de amanhã.
O Globo - Janaína Figueiredo
Nenhum comentário:
Postar um comentário