A desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, ex-presidente e atual 2.ª vice-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, caiu no grampo da Polícia Federal supostamente orientando assessores a destruir ou ocultar provas da investigação sobre esquema de venda de sentenças na Corte em processos de grilagem de 800 mil hectares de terras no oeste do Estado.
"Levou esse? Era pra pegar esse", ela disse, em ligação com Joenne Brito Souza Aragão, secretária que trabalha em seu gabinete no TJ. 'Esse', no caso, era uma referência a um celular que ela queria, segundo os investigadores, evitar a apreensão.
O diálogo foi grampeado no âmbito da Operação Joia da Coroa, desdobramento da Operação Faroeste que levou Maria do Socorro à prisão nesta sexta, 29, por ordem do ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça.
No dia 7 de novembro, quando a Faroeste foi deflagrada, o ministro decretou o afastamento da desembargadora de suas funções por 90 dias e a proibiu de manter contato com servidores da Corte.
A medida foi extensiva a outros três desembargadores, inclusive o presidente do Tribunal de Justiça, Gesivaldo Britto, e dois juízes de primeira instância, um deles já aprisionado.
Mesmo alertada sobre a proibição de se comunicar com funcionários do TJ, Maria do Socorro caiu no grampo falando com uma secretária de seu gabinete.
Na avaliação dos investigadores, a desembargadora 'descumpriu ordem expressa' do ministro Og Fernandes. O teor da conversa interceptada justificou o pedido de prisão da magistrada.
Na ligação, Socorro revela preocupação em recuperar o celular que estaria em seu gabinete - a PF já havia confiscado o aparelho, quando fez buscas na sede do Tribunal de Justiça, no dia 7 de novembro.
'O celular que tá aí, aquele meu', indagou a desembargadora à secretária Joenne Brito Souza Aragão.
Joenne: 'O aparelho anterior?'
Socorro: 'Sim, o anterior.'
Joenne: 'Que tem a foto de Lucas? Levou, viu?'
Socorro: 'Levou esse? Era pra pegar esse.'
Joenne: 'Foi. Levou, viu?'
Para o Ministério Público Federal, 'como se não bastassem a mecanização latente da lavagem de ativos e a reiteração criminosa da investigada Maria do Socorro, ao ser alvo de interceptação, ela é flagrada descumprindo ordem judicial emanada do Superior Tribunal de Justiça de não manter comunicação com funcionários do Tribunal de Justiça, dando orientação, para uma de suas subordinadas, no sentido de impedir a apreensão de aparelho telefônico pela Polícia Federal'.
Em outro áudio interceptado, a 'investigada' Maria do Socorro anuncia a necessidade de 'fazer reunião'.
Ela pontua que o irmão da procuradora-geral de Justiça do Ministério Público da Bahia Ediene Lousado estaria acompanhando o caso.
Diz que foi informada por 'sua interlocutora', a desembargadora Márcia Farias, que seria vítima de armação da delegada Luciana Matutino Caires, esposa do servidor do Tribunal de Justiça da Bahia, Igor Caires Macedo, a quem o relator confiou o cumprimento de sua decisão.
Os investigadores concluem que nesta outra ligação, Maria do Socorro 'expõe possível limpeza de dados criminosos em aparelho telefônico, numa ambiência que resvala em risco concreto para a normal colheita de provas, sendo sua prisão o único remédio cabível para cessar tal comportamento criminoso destemido'.
JOENNE: Gabinete, bom dia.
MARIANA: Bom dia. Um momentinho só, viu? É MARIANA, filha de SOCORRO.
(Ao fundo, como que chamando ao telefone): ANA, MARIANA.
MARIANA: Fala aí com ela. Você vai falar, mãe, com ANA. Mãe, consegue falar com ANA?
SOCORRO: ANA?
JOENNE: Oi. Doutora?
SOCORRO: A Polícia Federal teve aqui, né?
JOENNE: Doutora, é JOENNE. A gente tá sabendo já viu? Aqui também, viu? Como é que a senhora tá?
SOCORRO: O celular que tá aí, aquele meu.
JOENNE: O aparelho anterior?
SOCORRO: Sim, o anterior.
JOENNE: Que tem a foto de LUCAS?
SOCORRO: Sim.
JOENNE: Levou, viu?, doutora.
SOCORRO: Levou esse? Era pra pegar esse.
JOENNE: Foi. Levou, viu? A senhora tá onde agora?
SOCORRO: Eu tô?
JOENNE: Ham.
SOCORRO: É, é, é… Ainda bem que, eu acho, que menino tirou algumas coisas, não foi?
JOENNE: Não sei, doutora, Não sei lhe dizer. A senhora quer falar com ANA (Ana Cláudia dos Santos Freitas, assistente judiciário do gabinete de Maria do Socorro)?
SOCORRO: Quero falar com ANA.
JOENNE: Vou passar. Estamos todos aqui, viu doutora? Vou passar pra ANA.
SOCORRO: Tá.
ANA: Doutora?
SOCORRO: Oi, ANA.
ANA: Oi. Deixa eu lhe dizer. A gente recebeu aqui, fez uma busca e apreensão, e a gente recebeu uma ordem de não entrar em contato com a senhora.
("A ligação é interrompida repentinamente, não se concluindo se voluntariamente ou não", destaca o relatório da PF)