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sábado, 31 de agosto de 2019

NEY MATOGROSSO

De volta ao Recife, Ney Matogrosso nega mensagem política em show: 'Eu sou o discurso'

Ney MatogrossoFoto: Teca Lamboglia/Divulgação



Cantor traz a Pernambuco, pela primeira vez, o seu show 'Bloco na Rua', que ganha única apresentação no Teatro Guararapes, neste sábado

Filho de militar, Ney Matogrosso passou a infância e a adolescência mudando de cidade. O Recife foi uma delas. Até hoje ainda guarda na memória o cheiro que exalava dos jenipapeiros plantados na rua onde morava, no bairro de Casa Amarela. Aos 78 anos, retorna à capital pernambucana como cantor e compositor consagrado, figura fundamental na história da música brasileira. 

Neste sábado (31), a partir das 21h, ele sobe ao palco do Teatro Guararapes com seu novo show, "Bloco na rua", que está na estrada desde o início do ano. Em entrevista coletiva concedida no hotel onde está hospedado, em Boa Viagem, o ex-integrante do grupo Secos & Molhados falou sobre o repertório da apresentação, sua opção por não fazer discurso político e as lembranças de Pernambuco.


Repertório do show

Eu fiz um repertório já gravado por muita gente. Há artistas que não cantam música que alguém já gravou, mas eu não tenho esse tipo de problema. Acho que vou dar a minha leitura, a minha visão sobre aquilo. Então, esse show é baseado em músicas que já foram interpretadas por outras pessoas, até mais de uma vez, e algumas do meu repertório antigo, coisa que eu também não faço com muita frequência. Só tem uma inédita ("Inominável", de Dan Nakagawa). Não tinha nem a intenção de cantar músicas novas.

Posicionamento político

Não estou fazendo discurso político. Eu sou muito mais sútil. Não me interessa fazer discursos, mas isso não me impede de falar e cantar o que eu tiver vontade. Eu sou o discurso. Não preciso pegar numa bandeira, eu sou a própria. Meu trabalho não é pautado em ninguém. Tanto é que esse repertório está pronto há dois anos. Não havia horizonte indicando nada do que está acontecendo agora no Brasil. Portanto, se acham que alguma coisa que eu canto pode ser vista como política, então seria política para qualquer um. Fiz um repertório independente, livremente, pelo prazer de dizer aquelas coisas e acho que o que estou dizendo é compatível com tudo o que a gente tem visto.


Figurino

Foi a primeira vez que eu não opinei (na escolha do figurino). Gosto de estar junto e dar minha opinião, mas o Lino (Villaventura) não queria. Eu deixei, mas disse que se não gostasse eu não usaria. Mas gostei, porque eu já tinha visto a ideia da cabeça e me pareceu muito interessante. Entro sem verem o meu rosto, mas dura só um minuto, logo eu tiro. Por baixo dessa cabeça tem outra coisa e, em um determinado momento, eu abro o peito. No bis, tiro os adereços dos braços e das pernas e fica só o macacão. Minha ideia era fazer uma roupa só, porque eu estava cansado de tantas trocas. No 'Atento aos sinais' eram quatro e eu acabei tirando o figurino que eu mais gostava: um vestido preto, colado no corpo e que ia até o chão. 

Nova biografia

Eu conversei com o autor (o jornalista Julio Maria), porque já saíram outros livros sobre mim e nesses eu vi mentiras. Falei com ele e disse: "Não posso te impedir de fazer, porque agora existe uma lei e você tem o direito, mas não pode ter mentira a meu respeito, porque se tiver eu vou reagir. Então, você preste atenção". Não estou dizendo que ele mentiria, mas as pessoas aproveitam as oportunidades. No primeiro livro que escreveram eu li um monte de absurdos que as pessoas falaram para a escritora. Então, o Julio está mais cuidadoso. Quando tem dúvidas, ele me liga, me pergunta e eu respondo. Não vou impedir ele de fazer, mas também não pode escrever tudo o que as pessoas dizem, se não for verdadeiro.

Lembranças do Recife


Tenho memória da rua em que eu morei, que se chamava Rua do Jenipapeiro. Nem sei se ainda existe. Era uma ladeira que tinha pés de jenipapo plantados nela inteira. Nossa casa ficava no alto e eu me lembro do cheiro. Tem a história do camarada que chegou na grade de ferro me chamando. Fui na direção dele e, daqui a pouco, vieram as empregadas gritando. Eu era uma criança, não entendia nada. Eu devia ter quatro ou cinco anos. Me agarraram e me tiraram de lá. Depois, me disseram que não podia, porque era o papa-figo, que comia o fígado das crianças. 

Cuidados com a saúde

Eu como pouco, porque não gosto de sair da mesa me sentindo pesado. Faço ginástica diariamente. Não para ficar forte, mas para manter meu tônus muscular apenas. E acho que a cabeça me leva. Eu inventei isso (subir aos palcos), como é que não vou realizar? Por mais que seja pesado, tenho que fazer. Nunca tive um show leve. Todos exigiram muito de mim fisicamente. Não é que agora exija mais. Pelo contrário, eu suava muito mais do que hoje em dia. Nada me impede ainda. Sei que inevitavelmente chegará esse pedaço da vida, mas enquanto puder eu faço. 

Sucesso no exterior

Portugal para mim não é fora. Eu me sinto em casa. Desde 1983, vou lá regularmente e tudo o que faço aqui eu levo para lá. Mas também já fui à Alemanha, onde ninguém entende uma palavra do que eu estou cantando. Eu corria para um ponto do palco e todo mundo corria atrás de mim. Não entendo o que é que move essas pessoas. Acho que meu trabalho é baseado na palavra. Eu determino o que vou cantar por esse critério. Então, fico imaginando como é quando não entendem a palavra. Vou me apresentar em Londres pela primeira vez em outubro. Há muitos brasileiros morando lá. Provavelmente, deve aparecer gente que não me vê há muito tempo. Só estou com medo do frio. 

Formato 

Eu não tenho mais como ouvir vinil. Esse aparelho que você compra hoje em dia não é igual. Eu gostava mais do que possibilitava a capa de um LP, pelo tamanho e tudo mais. Mas mesmo com o CD faço isso. Tudo nos meus trabalhos passa por mim. Não sei se isso é muita loucura, mas acho que tem que ser tudo muito coerente. As capas todas, assim como a primeira imagem que será mostrada de cada trabalho, quem determina sou eu. Sempre foi assim.


FolhaPE

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