Mais de 80% das bibliotecas comunitárias estão em áreas de vulnerabilidade social
Bibliotecas comunitárias têm desempenhado apoio na alfabetização pela leituraFoto: Paullo Almeida/Folha de Pernambuco
Levantamento observou 143 bibliotecas, sendo 92 integrantes da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC) e as outras 51 sem vínculo com a rede
Entre os resultados gerais foi constatado que 86,7% desses equipamentos estão nas periferias, onde pobreza, violência e exclusão de serviços públicos são imperativas. O índice reforça um movimento de classe, onde a leitura assume papel-chave na expectativa de mudança da realidade social de quem tem pouco acesso público aos livros e a educação. O resultado completo do levantamento deve ser publicado até o início de maio.
O levantamento foi coordenado pelo Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) de Olinda junto com o Grupo de Pesquisa Bibliotecas Públicas do Brasil, da Universidade Federal do Estado do Rio (Unirio), e o Centro de Estudos de Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ainda verificou-se que 66,5% desses espaços foram criados por coletivos, grupos de pessoas do território e movimentos sociais, sobrevivendo sem ajuda dos governos.
Uma das coordenadoras da pesquisa e responsável pelo Programa Direito à Leitura do Centro de Cultura Luiz Freire, Cida Fernandez, comentou que ao longo da última década bibliotecas comunitárias vêm surgindo em vários pontos do Brasil, como reflexo de tentativas de empoderamento de populações marginalizadas. “As pessoas nas comunidades e nas favelas estão querendo ler. Ao mesmo tempo você tem uma literatura preta e uma literatura feminina crescendo nas periferias. Mas os discursos e pesquisas oficiais (dos governos), geralmente, dizem que brasileiro não gosta de ler. Então, precisávamos ver melhor isso”, comentou Cida Fernandez. Um dos aspectos mais observados foi a percepção dos usuários de que a leitura representa mobilidade social.
Muito além de ser espaço de empréstimos de exemplares, as bibliotecas comunitárias funcionam como espaço de transformação e mediação de conflitos nos territórios, sendo um coringa na educação de crianças e adolescentes. Não só os mediadores de leitura (que recebem a população na biblioteca) voltaram a estudar, como as deficiências de meninos e meninas na alfabetização acabam sendo descobertos e atacados através da leitura. Quem coleciona histórias de alfabetização através da literatura é a idealizadora da Biblioteca Popular do Coque, Maria Betânia do Nascimento, 53 anos. “Já cheguei a alfabetizar mais de 50 crianças aqui. Hoje ainda tenho umas dez, que mesmo estando na escola não sabem ler”, relembrou.
A unidade do Coque funciona faz 12 anos e surgiu da necessidade da própria Maria Betânia de mudar a estigmatização sobre o bairro e que lhe causava vergonha. “As pessoas dizima que o Coque só tinha ladrão e prostituta. Eu me sentia discriminada. Na minha cabeça queria o Coque leitor. Naquela época (2007), eu pensava que deveríamos trocar a arma pelo livro”, relembrou. Responsável pela mudança de vida de muitos, Maria Betânia guarda com carinho muitas histórias, mas de forma especial a da garota Ingrid Alice, hoje com 19 anos, que ficou conhecida como a “menina que roubava páginas”.
Então com 7 anos, Alice foi uma das primeiras usuárias do espaço e que também acabou alfabetizada na biblioteca. Ao descobrir as letras, fonemas, palavras e leitura foi fisgada pela poesia. Até que num rompante de amor pelos versos passou a rasgar páginas da obra Isto ou Aquilo, de Cecília Meireles. O sumiço de páginas do livro gerou curiosidade e suspeição, até que Alice acabou entregue. “Fiquei morta de vergonha. Eu tirava as folhas porque eu sempre gostei muito de poesia. Como eu não tinha dinheiro para comprar um livro de poesia e não podia ficar com aquele livro para mim, porque era da biblioteca, eu ia e arrancava uma folhinha por vez para levar para casa”, contou. Para surpresa dela ao invés do julgamento ou punição, Alice ganhou compreensão e a capa do livro para recolar as páginas e tê-lo por completo. A história virou causo na comunidade e impulsionou a jovem como poetisa do bairro e exemplo de amor pelos livros.
Mercado editorial
O aparente aumento de leitores nas periferias e da crescente produção de literatura preta e feminina descritos na pesquisa do CCLF parecem ser um contraponto no cenário do mercado editorial brasileiro. O momento é de retração com o encolhimento de 25% no faturamento nas vendas no primeiro trimestre de 2019. Em número de exemplares, a queda é de 30% - ou 1,2 milhões de livros a menos. Os dados são da pesquisa Painel de Vendas de Livros no Brasil, realizada pela Nielsen sob encomenda do Sindicato Nacional dos Editores.
O estudo também mostra que o preço médio dos livros continua alto. No período analisado, ele saltou de R$ 42,77 para R$ 45,73. O desconto médio dado no varejo, por outro lado, caiu de 22% para 15,5%. Um dos pontos neurálgicos deste panorama editorial é a diminuição em 5% nas vendas de livros infantis, juvenis e didáticos, saindo de 35% para 30% da receita total do mercado.
FolhaPE
Nenhum comentário:
Postar um comentário