Política externa: Congresso critica gestos de Bolsonaro
Bolsonaro volta da base militar da Restinga da Marambaia Foto: Marcelo Regua / Agência O Globo
Declarações de Bolsonaro sobre política externa provocam críticas no Congresso. Parlamentares que integram as comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado avaliam que o presidente deveria escolher logo um quadro preparado para tratar de questões envolvendo relações com outros países.
Em cinco dias como presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL) fez gestos de política externa que são reprovados por parlamentares que estão à frente das Comissões de Relações Exteriores de Câmara e Senado. A mesma reprovação se dirige a intenções de ações diplomáticas manifestadas pelo entorno do presidente.
Desde a vitória nas urnas, no último domingo, Bolsonaro já afirmou que vai transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, na contramão do entendimento internacional predominante a respeito da disputa de Israel e Palestina por Jerusalém; disse que quer a representação diplomática da Palestina em Brasília mais distante do Palácio do Planalto, por questões de segurança; e insinuou que pode tirar de Cuba uma representação diplomática brasileira.
Já seu vice, general Antônio Hamilton Mourão (PRTB), defendeu uma pressão na Venezuela, que resulte na troca do governo de Nicolás Maduro. Paulo Guedes, o anunciado superministro da Economia, declarou que o Mercosul não será prioridade no governo Bolsonaro.
O presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, deputado Nilson Pinto (PSDB-PA), considera "extemporâneas", "desnecessárias" e "incômodas" as propostas feitas por Bolsonaro e seu entorno na esfera diplomática. O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que faz parte da Comissão de Relações Exteriores do Senado, diz que Bolsonaro não avaliou a "extensão das consequências" e foi "precipitado" ao interferir na discussão sobre a capital de Israel.
A troca de lugar da embaixada brasileira em Israel nunca foi discutida nas duas comissões num período recente, segundo os dois parlamentares, o que evidencia o voluntarismo do presidente eleito na área. Os colegiados não participam das decisões diplomáticas, restritas ao Executivo. Mas são tradicionalmente pontos de discussão a respeito dos rumos da política externa brasileira.
– É importante que o presidente eleito defina rapidamente quem será seu ministro de Relações Exteriores, seu porta-voz para o assunto. Declarar posições que são bastante polêmicas expõe demais o presidente. Com a experiência da nossa diplomacia, ele vai conseguir apresentar as coisas de forma menos polêmica – afirma o presidente da comissão na Câmara.
Para o deputado Nilson Pinto, que foi reeleito em outubro, a discussão sobre transferir a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém "não deveria ser colocada agora". As consequências podem ser comerciais, com retaliação de parceiros árabes, segundo o parlamentar:
– Este é o tipo de medida que não foi tomado por quase nenhum país. Os Estados Unidos foram nessa direção, mas praticamente ninguém seguiu. Esta não é uma questão pacífica. E boa parte dos nossos parceiros comerciais são árabes, o que pode gerar retaliações comerciais.
O deputado resume numa frase o significado do defendido até agora por Bolsonaro e seu entorno:
– Relações exteriores não se fazem com o fígado, se fazem com o cérebro.
O presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara critica ainda o "pouco apreço" com o Mercosul, "um importante parceiro para nós", e afirma que a posição em relação a Cuba e Venezuela não traz tanta surpresa, por já ser conhecida.
– Não se trata parceiros com arrogância, de forma a menosprezá-los – diz o deputado, em relação aos países que integram o Mercosul.
Para o senador Ferraço, Bolsonaro precisa refletir, discutir e aprofundar melhor as propostas feitas até agora. Ele acredita que o presidente eleito ainda deve "reverter" o anunciado em relação a Jerusalém.
– Isso não é algo simples. É preciso conversar com embaixadores, avaliar a extensão das consequências de uma decisão assim. Não dá para comparar o protagonismo dos Estados Unidos com o nosso. Não temos o cacife nem o protagonismo global que têm os Estados Unidos – afirma o senador, que não foi reeleito em outubro.
O Globo - Por Vinicius Sassine
Nenhum comentário:
Postar um comentário