Entre tiros e togas
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que terá que decidir sobre apresentar denúncia contra Temer - Pedro Ladeira/Folhapress
Indagações frequentes são saber se há conspiração e quem a dirige
Houve época em que a palavra tiroteio era usada na crônica política como metáfora. Após o assassinato da vereadora Marielle Franco e dos três disparos que atingiram a caravana de Lula no Paraná a imagem converteu-se em realidade. Nem por isso, a dimensão figurativa deixou de ser usada: o ministro Carlos Marun afirmou, na quinta, que "os canhões da conspiração" outra vez se dirigiam ao Planalto.
Saber se há conspiração e quem a dirige é uma das indagações frequentes destes dias febris. O calibre do projétil que atingiu o presidente da República, no entanto, justifica a expressão ministerial no que se refere ao instrumento bélico que o detonou.
Ao aprisionar 13 pessoas envolvidas em suposto esquema no setor portuário, algumas muito próximas a Michel Temer, a PF (Polícia Federal) e o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso arrebentaram outra vez o já danificado casco da nave presidencial.
A autorização do magistrado para as prisões afirma existirem indícios de "concessão de benefícios públicos, em troca de recursos privados", na área, por mais de duas décadas. Segundo a Folha (30/3), desde 2004 investiga-se a suspeita de que Temer tenha recebido propina de empresas dos portos. Diante da potência do tiro, fica mais fácil entender o bate-boca entre Luís Roberto Barroso e o colega Gilmar Mendes uma semana antes dessa Operação Skala, pois o último é sabidamente próximo ao presidente.
Os desdobramentos da ofensiva contra os amigos do Palácio vão depender, agora, da procuradora-geral da República. Raquel Dodge terá que decidir sobre a apresentação de uma denúncia contra Temer. Tendo sido a segunda da lista votada pelos colegas para dirigir o Ministério Público (MP) e aceitado um encontro no Jaburu, fora da agenda e do horário regulamentar, antes da sua posse, com Temer, Dodge se encontra agora sob enorme pressão para demonstrar independência.
Qualquer que seja o alvitre da chefe do MP, o rugido dos canhões que alvejaram a Presidência da República conseguiu esmaecer o barulho em torno do habeas corpus de Lula, a ser votado quarta que vem, e da absurda violência contra a presença do ex-presidente no sul. O Partido da Justiça, no qual Barroso começa a galgar posto de liderança, aprendeu a usar com maestria a arma do escândalo.
O momento exato de colocar as tropas na rua, as acusações objetivamente graves, a ocupação dos espaços noticiosos nos dias politicamente parados da Páscoa, a repercussão em tom de campanha adotada por parcela da mídia. Nada disso ocorre sem extenso planejamento. O problema é descobrir qual a conclusão do roteiro que, entre tiros e despachos, pretendem nos impor.
André Singer – Folha de S.Paulo
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