UNIVERSAL CONDENADA A INDENIZAR FIEL QUE VENDEU ATÉ CARRO PARA DOAR DINHEIRO À IGREJA
IGREJA UNIVERSAL TERÁ DE PAGAR R$ 20 MIL A CASAL POR 'COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL' EM TROCA DA PROMESSA DE MELHORA DA CONDIÇÃO FINANCEIRA DA FAMÍLIA" (FOTO: FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO)
STJ CONFIRMOU SENTENÇA DO TRIBUNAL DO RS POR 'COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL'
Os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça mantiveram julgamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que condenou a Igreja Universal do Reino de Deus a indenizar em R$ 20 mil uma fiel e seu marido por supostamente ter ’empregado coação moral irresistível para que ela doasse bens à instituição religiosa em troca da promessa de melhora da condição financeira da família’. A Corte gaúcha também determinou o ressarcimento dos danos materiais na fase de liquidação de sentença.
As informações foram divulgadas no site do STJ – Recurso Especial 1455521.
Por unanimidade, o colegiado considerou possível a configuração dos prejuízos dos autores da ação com base em prova testemunhal e, além disso, concluiu estar adequado o valor da indenização por danos morais fixado pelo tribunal gaúcho.
“Como ficou assentado no acórdão recorrido, as doações às instituições religiosas, de todos os matizes, são um componente essencial da liberdade de consciência e de crença garantida pelo artigo 5º, VI, da Constituição. No entanto, a hipótese dos autos narra uma situação excepcionalíssima em que as doações – conforme as provas colacionadas aos autos – foram resultado de coação moral irresistível, sob a ameaça de sofrimento e condenação espiritual”, afirmou a relatora do recurso especial da igreja, ministra Nancy Andrighi.
Na ação de indenização por danos morais e materiais, os autores alegaram que estavam passando por problemas financeiros e que a igreja iludia a fiel com a promessa de solução.
Segundo eles, os pastores ‘recolhiam quantias em dinheiro ao final do culto sob a afirmação de que, quanto mais fosse doado, mais receberiam em troca’.
Em função dessas promessas, a fiel alega que doou bens à igreja e vendeu outros itens, como o carro da família, joias e eletrodomésticos, sem o consentimento de seu marido e também com a finalidade de oferecer valores à instituição religiosa.
Diante desse quadro, ele registrou boletim de ocorrência sob a alegação de que teriam sido vítimas do chamado ‘mercado da fé’.
Sofrimento e penalidades. Com base em provas documentais e testemunhais, o juiz de primeira instância determinou que a igreja restituísse aos autores os bens comprovadamente doados à instituição, ou que devolvesse a quantia equivalente em dinheiro.
O magistrado também estabeleceu compensação por danos morais no valor de R$ 20 mil.
A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que concluiu que o quadro descrito no processo configurou a coação moral irresistível – ação do donatário diretamente no ânimo do doador, a ponto de incutir-lhe a ideia da obrigatoriedade da doação, sob pena de sofrimento ou penalidades, ainda que religiosas.
O tribunal também considerou que a prova testemunhal comprovou a existência de danos morais, tendo havido a descrição exata dos bens doados pela fiel à igreja.
Por meio de recurso especial, a Igreja Universal alegou que o recebimento de doações não é considerado ato ilícito, mas o exercício regular de um direito. A instituição também contestou a condenação por danos materiais baseada exclusivamente em prova testemunhal.
Prova oral. Em relação à alegação de inexistência de coação moral, a ministra Nancy Andrighi destacou que houve ‘extensa produção de prova testemunhal nos autos e, com base nesse conjunto probatório, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul concluiu ter havido a configuração da coação moral irresistível’.
Segundo a ministra, eventual conclusão diferente demandaria o reexame de provas, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.
Sobre a produção de prova escrita, a relatora destacou que o STJ possui jurisprudência no sentido de que só não se permite a prova exclusivamente por depoimentos em relação à existência do contrato em si, não havendo impedimento de demonstração, por testemunhas, dos fatos que envolverem os litigantes.
“Ademais, é importante consignar que o tribunal de origem, soberano na produção e no exame do acervo fático-probatório, afirma expressamente que há prova documental coligida nos autos capaz de demonstrar a existência de doação”, apontou a relatora.
O valor fixado pela Corte estadual a título de danos morais também foi considerado adequado pela ministra, considerando a demonstração dos danos extrapatrimoniais nos autos e a fixação de outras indenizações em casos parecidos ao analisado no processo.
“Especificamente quanto ao valor da reparação, o acórdão recorrido encontra fundamentação mais que suficiente para a fixação no valor de R$ 20 mil, além de estar em consonância com situações fáticas semelhantes”, concluiu a ministra ao negar o recurso especial da igreja.
(AE)