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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

SANTA CRUZ - FUTEBOL FEMININO

Santa Cruz fecha departamento de futebol feminino e atletas passam por necessidade

Oito atletas vieram de fora do estado para jogar pelo time feminino do Santa, mas ficaram sem receber

Com salários de R$ 250, jogadoras estão sem receber há cinco meses


“Nós do futebol feminino fomos contratadas para jogar para o clube (Santa Cruz). Por amor, saímos de nossos estados, de nossas casas para tornar um sonho realidade. Porém, não foi e nem está sendo isso que está acontecendo. Meninas de São Paulo e eu, do Mato Grosso, fomos esquecidas. Isso mesmo. Esquecidas com salários de R$ 250, com quatro meses de atrasos, sem alimentação e sem passagem para voltar para casa. Por acaso vocês estão sabendo disso? Nós temos um contrato assinado e queremos nossos direitos.”

O desabafo de Elaine Campos, feito numa rede social na tarde desta quinta-feira, retrata a situação das 28 atletas do elenco de futebol feminino do Santa Cruz. Retrata, sobretudo, o descaso do clube. Após 11 anos de inatividade, o Santa Cruz reativou a modalidade no segundo semestre do ano passado. Montou um time para, meses depois, desativá-lo. Sem avisos e explicações, a diretoria fechou o departamento. Deixou ao acaso quase 30 mulheres que integravam o plantel tricolor.

Dessas, oito ficaram em situação mais complicada. São atletas contratadas de outras cidades, outros estados. Chegaram no Santa Cruz com a promessa de receber uma ajuda de custo de R$ 250 por mês. Muito pouco. Não receberam nada. “Estou aqui no Recife desde o dia 23 de agosto, fui a primeira a chegar. Não nos deram condição de ir treinar, não nos deram a alimentação devida de uma atleta. Comemos apenas arroz, feijão e farinha pelo patrocínio, se não nem isso teríamos. Temos uma ajuda de custo de R$ 250 e até hoje, desde que chegamos, não vimos um real. Prometeram milhares de coisas e não nos deram nada”, confidenciou uma atleta, que preferiu não se identificar.

“Ficamos numa casa em Olinda sem nada. Dormimos no colchão no chão. Não tem cama. Não temos geladeira, fogão. Não tivemos um apoio de nada do clube. A única coisa que foi dita e cumprida foi o nosso amistoso contra o Náutico, no Arruda, e a nossa vinda para Pernambuco. Somente. Só quem vive conosco lado a lado sabe como está nossa situação. Está sendo horrível. Nunca passei isso na minha vida e olha como estou hoje”, acrescentou.

Elaine

A situação chegou a tal ponto que a volante Elaine não suportou. Vendo a situação das amigas, postou o desabafo no Facebook na tarde desta quinta-feira. “Eu não continuo em Pernambuco, pois tirei dinheiro do meu bolso para voltar para casa. Hoje, estou no Rio de Janeiro”, afirmou, em entrevista ao Superesportes. “Mas a minha situação não é diferente. Temos o contrato e nada que nele está escrito foi pago, realizado. Fomos todas dispensadas. De acordo com o técnico, que só fala e não faz, estão tirando (providenciando) a passagem das meninas, mas sabemos muito bem que isso não vai acontecer. Porque é sempre uma desculpa, sempre uma recuada. Nem enfrentar a gente cara a cara eles conseguem. Só queremos satisfação e o que nos devem. Passamos por coisas que você nem imagina o que é sentir na pele”, completou Eliane.

No Recife

Das oito atletas contratadas de outros estados, cinco ainda permanecem no Recife, dependendo do recebimento das passagens para voltar para casa. Quatro são de São Paulo, uma é da Argentina. Deixadas no escuro durante os cinco meses que passaram no estado. O pedida das atletas é por uma reunião com o elenco junto ao técnico Farges Ferraz e o presidente Alírio Moraes. “É preciso colocar os pingos no i's", encerrou umas das atletas.

Treinador lamenta situação

A falta de comunicação entre a diretoria do Santa Cruz e o departamento de futebol feminino parece, no final das contas, transcende o limite das quatro linhas. Escolhido para assumir a missão de comandar as meninas na reconstrução do projeto da modalidade no clube, o técnico Farges Ferraz parecia o elo de mais próximo que as atletas poderiam ter com os mandatários do Tricolor. O cenário, no entanto, desenhou-se de forma bem diferente disso. De acordo com o treinador, durante os dias de espera por uma definição, em nenhum momento houve um contato entre ele e o presidente Alírio Moraes. As informações, segundo Ferraz, vinham sendo todas repassadas pelo coordenador da base e do futebol feminino, Bleno Cruz.

"Na verdade, não teve reunião. Infelizmente, todas as informações, tudo que vem acontecendo após o termino da equipe, é resolvido por telefone. Em nenhum momento depois que chegou a informação do fim da equipe a gente sentou para conversar, até para tentar entender melhor porque esse projeto que estava sendo feito com tanta dedicação terminou", revelou.

Desde a última vez, em que as meninas entraram em campo, no dia 18 de dezembro, o treinador já havia recebido a informação de que a diretoria estava se reunindo para definir o futuro da equipe. A reapresentação das atletas, na teoria, deveria acontecer no dia 5 de janeiro. A data chegou, a resposta não. A posição do clube perante à equipe permaneceu desconhecida até o fim de janeiro deste ano. A informação veio, mais uma vez, por meio do coordenador Bleno Cruz. Dessa vez, por telefone.

"Foi horrível. Toda espera é ruim. Atletas, patrocinadores, torcedores, todos cobrando uma posição e eu sem saber o que dizer. Chegaram a questionar inclusive se era minha responsabilidade ou decisão, pois muitos vinculavam o time ao meu trabalho. Mas, pior do que isso, foi a receber a decisão por telefone. Sem uma conversa mais explicativa", recordou.

Com a informação em mãos, coube ao treinador repassar às atletas da equipe o que aconteceria. Fato que, para o comandante, representou uma forma de desrespeito por parte do clube perante ao elenco. "A única coisa que eu queria era que o clube tivesse o respeito com elas e dessem uma satisfação a todas as atletas. Mas, infelizmente, isso não foi possível e eu mesmo tive que passar a informação. Tive que informar a elas que o time acabou e explicar os motivos. Acho que isso era função da diretoria e não do treinador", afirmou

A resposta do Santa Cruz

O vice-presidente do clube, Constantino Júnior, foi o único a se pronunciar sobre o assunto. Explicou que a determinação para a extinção do futebol feminino veio da presidência tricolor. “Certamente, foi por causa de alguma quebra de parceria. O presidente é quem sabe explicar melhor os motivos”, declarou o dirigente.  Por
inúmeras vezes, a reportagem tentou contato com o mandatário coral, através de ligações telefônicas, mas sem sucesso.

Profut estabelece punições para quem não cumprir a Lei
Uma das condições estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte para que os times mantenham-se no Profut, o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, é a “manutenção de investimento mínimo na formação de atletas e no futebol feminino”. O descumprimento pode gerar a rescisão do parcelamento dos débitos relativos ao FGTS e cancelamento dos benefícios concedidos (art. 16). Isso, por sua vez, poderia acarretar, de acordo com a Lei 10.671/2003, o Estatuto do Torcedor, numa sanção de rebaixamento, como prevê o artigo 10, I.

Diz o texto: “A entidade de prática desportiva que não cumprir todos os requisitos estabelecidos no inciso II do § 1º deste artigo participará da divisão imediatamente inferior à que se encontra classificada”. Entre os requisitos do § 1º referido, estão a “apresentação de certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)” e a “comprovação de pagamento dos vencimentos acertados em contratos de trabalho e dos contratos de imagem dos atletas.”

Lacuna

Há uma ressalva quanto a possibilidade de punição para o Santa Cruz, entretanto. Ao estabelecer a necessidade de investir no futebol feminino, a Lei 13.155/2015, a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, estabelece que tal investimento será feito com recursos provenientes da remuneração obtida na cessão dos direitos da marca do clube para a divulgação da Lotex, a Loteria Instantânea Exclusiva. O fato, porém, é que a Lotex ainda não foi criada pelo Executivo federal. Argumento que o Santa Cruz deve alegar para justificar a interrupção do projeto de futebol feminino. A expectativa é de que a Lotex só seja instituída no segundo semestre deste ano. O Superesportes procurou a Autoridade Pública de Governança do Futebol (APFUT), responsável pela fiscalização das entidades quanto à Lei em 13.155/2015, mas foi informado que não havia ninguém no momento para comentar sobre o assunto.

Diario de Pernambuco

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