Venezuelanos invadem Roraima para comprar comida
A cidade de Pacaraima, na divisa de Roraima com a Venezuela, agora é definida por moradores como "uma pequena 25 de Março", em alusão à rua famosa pelo comércio popular em São Paulo. Há cerca de dois meses, o local está repleto de venezuelanos que, em meio à crise de abastecimento no país, viajam centenas de quilômetros atrás de comida. Pelas ruas, pessoas se sentam sobre pilhas de arroz, açúcar, trigo e óleo. São os fardos que levam para casa, em viagens que chegam a durar dois dias.
"Eu venho porque lá não tem", diz Andrea Lamboz, 39, que andou 12 horas de ônibus até a cidade. "Lá [na Venezuela], a gente precisa chegar na fila à tarde para comprar no dia seguinte. E corre o risco de dar de cara com a prateleira vazia."
A maioria vem de ônibus, e cruza a divisa a pé — não é preciso autorização para ir às cidades fronteiriças. Os dois países são ligados por uma rodovia, que tem algumas barreiras policiais com poucos fiscais. Os venezuelanos carregam pochetes, mochilas ou malas cheias de dinheiro. Alguns levam uma calculadora amarrada ao pescoço.
No Brasil, um bolívar equivale a menos de um centavo de real. Para comprar um fardo de arroz, são necessários milhares deles —daí o grande volume de cédulas. As malas, antes abarrotadas de dinheiro, voltam com comida. Nas lojas, os bolívares são guardados em sacos.
LUXO
"É um luxo estar aqui, porque nem todos podem", diz a venezuelana Ingrid López, 53, que viajou cerca de mil quilômetros. Ela gastou R$ 600 em comida para quatro famílias. Foram quase 200 mil bolívares, ou seis salários mínimos no país. Mas suficientes só para um mês.
"O que se come na minha cidade é manga, porque é o que tem nas árvores. Sopa de manga, cozido... A minha cozinha virou um laboratório", conta ela, que é comerciante.
Muitos economizam durante meses para a viagem. Para a maioria, transportar o alimento custa mais do que a passagem: o agente de trânsito Robert Gil, 27, pagou 3.300 bolívares pela viagem de 10h até Pacaraima, mas gastaria 7.000 para levar o saco de comida no porta-malas.
O fluxo de venezuelanos em Pacaraima é semelhante ao que havia na Colômbia, para onde iam milhares deles em busca de itens básicos.
A fronteira foi fechada em agosto por ordem do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, sob a justificativa de combater o contrabando. Nas duas ocasiões em que foi reaberta —no dia 10 e nos dias 16 e 17 deste mês– passaram, respectivamente, 35 mil e mais de 100 mil pessoas
Dois meses atrás, segundo os venezuelanos ouvidos pela Folha, o governo passou a autorizar a entrada de comida comprada no Brasil.
Assim começou a peregrinação a Pacaraima.
O movimento reativou o comércio da cidade de 12 mil habitantes: muitas lojas foram abertas às pressas, com pouco além de uma mesa, um bloco de notas fiscais e uma máquina de contar cédulas.
Os mantimentos ficam empilhados em meio à lajota, ou na fachada. Até butiques e farmácias aderiram à venda, e ficam abertas inclusive aos finais de semana.
"Isso aqui é como um garimpo", diz um comerciante. "Todo mundo quer vir para aproveitar o momento."
Muitos se preocupam com o impacto para a cidade: há mais lixo nas ruas, relatos de pequenos furtos e alta no preço dos alimentos.
"Eu não estou feliz por estar vendendo mais, porque tudo aumentou. O preço, o desgaste, a preocupação", diz Leidimar Torquato, 39, sócia de um pequeno mercado.
Ela chega a baixar as portas em determinados momentos, para conter o movimento. As filas se estendem na calçada, e as prateleiras, algumas vezes, nem sequer são abastecidas: as pessoas pegam os produtos direto das caixas, no chão.
Desde janeiro, 25 mil venezuelanos pediram autorização de entrada à PF em Pacaraima, sem contar os que vão apenas à cidade fronteiriça e não precisam de documento. O movimento é mais que o dobro do ano passado. O grande temor dos venezuelanos, agora, é que Maduro venha a fechar também a fronteira com o Brasil.
Folha de S.Paulo – Estelita Hass Carazzai e Avener Prado
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